Era uma manhã silenciosa, dessas que a casa parece respirar com a alma da gente. O cheiro de café invadia os cômodos enquanto os pássaros, lá fora, cantavam como que ensaiando a partida. Observei as paredes marcadas por anos de vida compartilhada. Aqui, onde risos de criança ecoaram, agora o silêncio parecia um visitante inesperado.
Lembrei-me do dia em que ensinei meu filho a andar de bicicleta. “Segura firme, pai!” ele gritou. E eu segurei. Mas sabia que, em algum momento, teria que soltar. O equilíbrio, afinal, era dele. Essa imagem ficou guardada como um presságio. Criar filhos é exatamente isso: ensinar a pedalar, sabendo que o percurso é deles.
A vida tem dessas ironias — entregamos nossos dias, nossas noites e até nossos sonhos para moldar os deles. E, no entanto, chega o momento em que não somos mais o chão que pisam, mas a sombra onde repousam. Eles vão. Não por quererem partir, mas porque o mundo os chama.
Sempre acreditei que o amor é liberdade, nunca posse. Por isso, aprendi a não prender. Dei asas, mesmo quando o coração queria fincar raízes. Cada decisão deles é uma mistura de tudo o que plantei: um pouco do meu cuidado, um tanto do meu amor, e muito do espaço que dei para que fossem quem são.
Agora, vejo suas vidas ganhando forma além do meu abraço. Outros lares, outros sonhos. E, sim, outros braços. Mas há algo que o tempo não leva: a essência do que fomos juntos. Não há despedida que apague os momentos compartilhados, nem distância que desfaça o elo invisível do amor.
E, no fundo, é isso que me consola. Quando enfrentarem as dificuldades do mundo, sei que levarão consigo o calor do lar que construímos juntos. Mesmo que seus passos os levem a horizontes que nunca imaginei, meu coração será sempre um abrigo.
É natural que, um dia, fique apenas eu e Deus. Não criamos propriedades; criamos vidas livres para seguir o curso que lhes pertence. E, quando isso acontecer, não será solidão, mas plenitude — o momento de contemplar o que a vida realizou por meio de mim.
Um dia, talvez eles voltem. Não para ficar, mas para um instante de reconhecimento. Para olhar nos meus olhos e dizer: “Eu não fui. A vida apenas me levou. Mas você esteve comigo o tempo todo.”
E, naquele momento, terei certeza: cumpri minha missão. Afinal, criar filhos é isso — dar-lhes asas, mas garantir que sempre saibam o caminho de volta.
José Luiz Ricchetti – 15/12/2024