(Crônica criada e escrita por josé Luiz Ricchetti)
Estávamos todos amontoados naquele corredor estreito e meio sujo, onde as cordas, luminárias e cortinas velhas denunciavam a rotina intensa dos estúdios de televisão. O ar estava pesado, impregnado pelo cheiro de cigarro que parecia aumentar nossa ansiedade. Era difícil até respirar, mas nada parecia abalar nossa determinação: estávamos prestes a participar de um dos programas mais icônicos da TV brasileira, o “Programa Silvio Santos”.
A espera era angustiante, e o nervosismo se espalhava entre nós, os participantes de São Manuel. Alguns estavam sentados em bancos de madeira improvisados, outros em pé, todos tentando se acalmar antes de entrar em cena. Do lado de fora, uma pequena multidão se aglomerava na área externa da TV, misturando-se aos carros de reportagem, cenários desmontados e móveis desgastados pelo tempo.
Nossa cidade tinha se transformado numa enxurrada de fantasias, adereços, bandeiras e faixas, todos prontos para representar São Manuel naquele que seria um dos dias mais memoráveis de nossas vidas. Num canto do corredor, meio escuro, ao lado da caixa de fusíveis, estava nosso “Lorde” – o respeitável diretor da nossa rádio. Seu inseparável terno cinza, o bigodinho aparado e o cabelo grisalho perfeitamente penteado, como um verdadeiro lorde inglês, contrastavam com sua agitação evidente. Apesar de sua vasta experiência, ele revisava nervosamente os textos preparados pelas professoras, as verdadeiras “Ghost Writers” daquela apresentação.
Enquanto isso, do outro lado do corredor, sentado num pufe vermelho improvisado, um amigo folheava preocupado várias apostilas e revistas, tentando absorver o máximo de informações para o quadro de perguntas e respostas. A pressão era grande, afinal, ele estava prestes a enfrentar o público brasileiro em rede nacional, respondendo a questões de conhecimentos gerais.
O prédio onde estávamos era o da TV Tupi, a primeira emissora de televisão do Brasil e da América do Sul. Caminhar por aqueles corredores era como participar de um pedaço vivo da história, uma história que naquele dia incluiria também a nossa cidade, São Manuel. A TV Tupi, com pouco mais de uma década e meia de existência, já era um ícone da televisão brasileira, e estar ali, participando de um programa de auditório, era um sonho que muitos de nós jamais imaginávamos realizar.
Finalmente, chegou a hora. Silvio Santos, com seu sorriso contagiante e sua presença magnética, nos recebeu no palco. O programa “Cidade contra Cidade” começava, e com ele, nossas apresentações. Cada quadro, cada história, cada detalhe que havíamos preparado com tanto cuidado estava agora diante de milhões de telespectadores. São Manuel competia com orgulho, mostrando ao Brasil sua cultura, seus costumes, e, acima de tudo, a paixão de seus habitantes.
As dificuldades que enfrentamos para estar ali – desde conseguir as fantasias até superar a longa viagem de ônibus – pareciam insignificantes diante da emoção de participar do programa. E Silvio Santos, com seu talento natural para transformar momentos simples em espetáculos inesquecíveis, fez daquele dia um marco na história da nossa cidade.
No final, São Manuel não só competiu, mas também conquistou corações. Saímos vitoriosos, não apenas pelos pontos acumulados, mas pela experiência inesquecível de fazer parte de algo tão grandioso. Aquele 28 de agosto de 1969 ficou gravado para sempre na memória de todos nós, e Silvio Santos, com seu jeito inigualável, se tornou parte da nossa história, assim como nós nos tornamos parte da dele.
Hoje, ao sabermos da triste notícia da sua passagem e ao olhar para trás, percebemos que aquele programa não foi apenas uma competição. Foi um encontro de almas, um momento em que São Manuel e Silvio Santos se uniram para criar uma lembrança que, até hoje, permanece viva em nossos corações.
Silvio Santos não só veio, como entrou para sempre em nossas vidas, levando São Manuel para a eternidade na história da televisão brasileira.
José Luiz Ricchetti – 12/08/24