PAREM TUDO QUE A BISA SUMIU !!!!

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Texto criado e escrito por José Luiz Ricchetti e baseado em fatos reais

cabeca-ricchetti PAREM TUDO QUE A BISA SUMIU !!!!

Minha bisavó sempre foi uma pessoa independente, bastante atuante e ativa. Quando já estava perto dos cem anos, todos os dias, ela ainda se levantava, tomava seu farto café da manhã e descia para fiscalizar o trabalho de seu filho Hermínio e do genro Eduardo, bem como de todos os empregados à frente da Casa Ricchetti.

A Casa Ricchetti, fundada por volta de 1900, ficava no térreo de um grande sobrado, com mais de 10 quartos, onde morava a família e claro minha bisavó. O prédio ficava ali na rua XV de Novembro esquina com a Gomes Faria, área central da minha querida cidade natal de São Manuel, bem em frente ao Paço Municipal.

Parem-tudo-que-minha-Bisa-sumiu PAREM TUDO QUE A BISA SUMIU !!!!

Pode-se dizer que, guardadas as devidas proporções de uma loja do interior, a Casa Ricchetti era um grande magazine, como foi o antigo e famoso Mappin da capital paulista, ou seja, uma casa comercial onde se encontrava enorme variedade de produtos, tais como, material escolar, livros didáticos, científicos e literários, grande sorte de papéis importados, lápis, borrachas e finas canetas, presentes, cristais, quadros, artigos elétricos, fantasias, discos, brinquedos infantis etc. Sua área de brinquedos era enorme e sua vitrine motivo de cobiça de todas as crianças, não só da cidade, mas de toda a região, principalmente no Natal.

Além da loja comercial também existia a parte industrial que consistia no primeiro parque gráfico da cidade, uma grande tipografia onde se imprimiam livros em geral, notas fiscais e livros contábeis, convites e impressos em geral, se realizavam encadernações, além da redação, edição e impressão do jornal “O Movimento”, pois jornalista, que também era, meu bisavô havia fundado em 1901, este jornal, que foi o primeiro da cidade a ter edições semanais.

O fato era que todas as manhãs, lá estava minha bisavó a postos, na parte superior da loja, supervisionando e vigiando a todos, embora, pela avançada idade, já não conseguisse enxergar claramente, devido a catarata.

Apesar de ser uma pessoa extremamente rígida, minha bisavó era uma pessoa bondosa e engraçada. Eu fui um dos poucos bisnetos, talvez o único, que teve contato diário e estreito com ela, pois desde quando tinha meus 7 ou 8 anos, todas as tardes eu conversava com essa minha querida velhinha. Apesar de que ela só falava italiano, e eu na época só português, nós dois nos entendíamos perfeitamente e acredito que a dicção e vocabulário que tenho hoje do italiano, vem desses papos vespertinos, ao lado do caixa da loja, local onde ela costumava ficar, sentada em sua cadeira cativa, junto com sua inseparável bengala.

Seu filho Hermínio, portanto, meu tio, era quem tomava conta da loja como gerente geral. Esse meu tio possuía, nos arredores de Aparecidinha, pequeno distrito de São Manuel, dedicado à Nossa Senhora Aparecida, um sítio, onde cultivava café, principal produto do município, que figurava entre os maiores produtores de café do estado.

Como o sítio era muito perto da cidade, coisa de menos de 10 km, todas as tardes, religiosamente as 17 horas, meu tio estacionava sua Kombi, na frente da loja e carregava o veículo com materiais e produtos necessários ao sítio.

Minha bisavó, nunca deixou de acompanhá-lo nessas visitas de todos os dias, fizesse chuva ou sol. Assim, diariamente, assim que meu tio estacionava a Kombi, e enquanto buscava carregar o veículo, ela já se levantava da sua cadeira e vagarosamente, mas decidida, se dirigia até o veículo, abria a sua porta e se sentava no banco, exatamente atrás do motorista, seu lugar predileto, só esperando a hora da Kombi partir.

Aquela cena tinha se tornado um ritual tão firme e real, presenciado diariamente por todos, não só da loja, como das imediações que ninguém iria estranhar, caso houvesse alguma coisa diferente, alguma alteração…

Todos, estavam assim por demais acostumados a ver, todos os dias, a Kombi estacionar, meu tio carregar, minha bisavó entrar, se sentar atrás do banco do motorista para aguardar a partida do veículo, rumo ao sítio…

Porém houve uma vez em que essa rotina foi quebrada…

Certo dia um motorista, de uma pequena transportadora, perdido na cidade e sem encontrar a saída para seguir rumo a Jaú, onde ficava a sede da sua empresa, parou inadvertidamente, sua Kombi, da mesma cor e modelo daquela do meu tio, bem em frente à Casa Ricchetti, cinco minutos antes do horário padrão daquela rotina, sempre cravado para as 17 horas.

Assim que este motorista estacionou e rapidamente foi de encontro a um taxista local, com o objetivo de se informar sobre o melhor caminho de saída da cidade, minha bisavó, vendo a Kombi estacionada e pensando ser a do meu tio, rapidamente se levantou da cadeira e entrou no veículo, se sentando bem atrás da posição do motorista, pronta para a sua viagem diária até o sítio.

Após, pegar as instruções do caminho a seguir, o nosso motorista de Jaú, entrou apressado e distraído na sua Kombi e partiu rumo a sua cidade, sem perceber que carregava uma ilustre e centenária carona…

Os funcionários da loja, distraídos e devido a rotina diária também nem se tocaram do engano ocorrido nas suas próprias barbas…

Todo mundo só se deu conta, quando alguns minutos depois meu tio estacionou a sua Kombi e estranhou que sua mãe, ou seja, minha bisavó, não estava ali na loja e nem apareceu para entrar na Kombi.

Enquanto isso o nosso motorista de Jaú, horas depois, só percebeu algo errado quando ao entrar na sua cidade, se assustou ao sentir as primeiras bengaladas na cabeça e ao ouvir, ao mesmo tempo, uma voz alta, gritando em italiano:

  • Figlio che facciamo in questa città? Oggi non andremo nella nostra piccola fattoria?
  • (Filho que fazemos nesta cidade? Hoje não vamos ao sítio?)

Depois do enorme susto da família com o sumiço da minha bisavó, e muitas horas mais tarde, após muita confusão, mobilização da polícia, histórias sobre tentativa de sequestro e diligências mil por toda a região, minha bisavó finalmente foi ‘resgatada’ e devolvida sã e salva à São Manuel…

Até hoje essa história é contada na família e dizem as más línguas que por muitos anos, o pobre motorista da Kombi, acordava todas as noites, no meio de um pesadelo, onde via uma velhinha que lhe batia com a bengala na cabeça e gritava em italiano:

  • Figlio di un cane, ti sei perso la strada!
  • (Filho de um cão você errou a estrada!

José Luiz Ricchetti – 21/12/2022

PAREM TUDO QUE A BISA SUMIU !!!!

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Texto criado e escrito por José Luiz Ricchetti e baseado em fatos reais

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Minha bisavó sempre foi uma pessoa independente, bastante atuante e ativa. Quando já estava perto dos cem anos, todos os dias, ela ainda se levantava, tomava seu farto café da manhã e descia para fiscalizar o trabalho de seu filho Hermínio e do genro Eduardo, bem como de todos os empregados à frente da Casa Ricchetti.

A Casa Ricchetti, fundada por volta de 1900, ficava no térreo de um grande sobrado, com mais de 10 quartos, onde morava a família e claro minha bisavó. O prédio ficava ali na rua XV de Novembro esquina com a Gomes Faria, área central da minha querida cidade natal de São Manuel, bem em frente ao Paço Municipal.

Parem-tudo-que-minha-Bisa-sumiu PAREM TUDO QUE A BISA SUMIU !!!!

Pode-se dizer que, guardadas as devidas proporções de uma loja do interior, a Casa Ricchetti era um grande magazine, como foi o antigo e famoso Mappin da capital paulista, ou seja, uma casa comercial onde se encontrava enorme variedade de produtos, tais como, material escolar, livros didáticos, científicos e literários, grande sorte de papéis importados, lápis, borrachas e finas canetas, presentes, cristais, quadros, artigos elétricos, fantasias, discos, brinquedos infantis etc. Sua área de brinquedos era enorme e sua vitrine motivo de cobiça de todas as crianças, não só da cidade, mas de toda a região, principalmente no Natal.

Além da loja comercial também existia a parte industrial que consistia no primeiro parque gráfico da cidade, uma grande tipografia onde se imprimiam livros em geral, notas fiscais e livros contábeis, convites e impressos em geral, se realizavam encadernações, além da redação, edição e impressão do jornal “O Movimento”, pois jornalista, que também era, meu bisavô havia fundado em 1901, este jornal, que foi o primeiro da cidade a ter edições semanais.

O fato era que todas as manhãs, lá estava minha bisavó a postos, na parte superior da loja, supervisionando e vigiando a todos, embora, pela avançada idade, já não conseguisse enxergar claramente, devido a catarata.

Apesar de ser uma pessoa extremamente rígida, minha bisavó era uma pessoa bondosa e engraçada. Eu fui um dos poucos bisnetos, talvez o único, que teve contato diário e estreito com ela, pois desde quando tinha meus 7 ou 8 anos, todas as tardes eu conversava com essa minha querida velhinha. Apesar de que ela só falava italiano, e eu na época só português, nós dois nos entendíamos perfeitamente e acredito que a dicção e vocabulário que tenho hoje do italiano, vem desses papos vespertinos, ao lado do caixa da loja, local onde ela costumava ficar, sentada em sua cadeira cativa, junto com sua inseparável bengala.

Seu filho Hermínio, portanto, meu tio, era quem tomava conta da loja como gerente geral. Esse meu tio possuía, nos arredores de Aparecidinha, pequeno distrito de São Manuel, dedicado à Nossa Senhora Aparecida, um sítio, onde cultivava café, principal produto do município, que figurava entre os maiores produtores de café do estado.

Como o sítio era muito perto da cidade, coisa de menos de 10 km, todas as tardes, religiosamente as 17 horas, meu tio estacionava sua Kombi, na frente da loja e carregava o veículo com materiais e produtos necessários ao sítio.

Minha bisavó, nunca deixou de acompanhá-lo nessas visitas de todos os dias, fizesse chuva ou sol. Assim, diariamente, assim que meu tio estacionava a Kombi, e enquanto buscava carregar o veículo, ela já se levantava da sua cadeira e vagarosamente, mas decidida, se dirigia até o veículo, abria a sua porta e se sentava no banco, exatamente atrás do motorista, seu lugar predileto, só esperando a hora da Kombi partir.

Aquela cena tinha se tornado um ritual tão firme e real, presenciado diariamente por todos, não só da loja, como das imediações que ninguém iria estranhar, caso houvesse alguma coisa diferente, alguma alteração…

Todos, estavam assim por demais acostumados a ver, todos os dias, a Kombi estacionar, meu tio carregar, minha bisavó entrar, se sentar atrás do banco do motorista para aguardar a partida do veículo, rumo ao sítio…

Porém houve uma vez em que essa rotina foi quebrada…

Certo dia um motorista, de uma pequena transportadora, perdido na cidade e sem encontrar a saída para seguir rumo a Jaú, onde ficava a sede da sua empresa, parou inadvertidamente, sua Kombi, da mesma cor e modelo daquela do meu tio, bem em frente à Casa Ricchetti, cinco minutos antes do horário padrão daquela rotina, sempre cravado para as 17 horas.

Assim que este motorista estacionou e rapidamente foi de encontro a um taxista local, com o objetivo de se informar sobre o melhor caminho de saída da cidade, minha bisavó, vendo a Kombi estacionada e pensando ser a do meu tio, rapidamente se levantou da cadeira e entrou no veículo, se sentando bem atrás da posição do motorista, pronta para a sua viagem diária até o sítio.

Após, pegar as instruções do caminho a seguir, o nosso motorista de Jaú, entrou apressado e distraído na sua Kombi e partiu rumo a sua cidade, sem perceber que carregava uma ilustre e centenária carona…

Os funcionários da loja, distraídos e devido a rotina diária também nem se tocaram do engano ocorrido nas suas próprias barbas…

Todo mundo só se deu conta, quando alguns minutos depois meu tio estacionou a sua Kombi e estranhou que sua mãe, ou seja, minha bisavó, não estava ali na loja e nem apareceu para entrar na Kombi.

Enquanto isso o nosso motorista de Jaú, horas depois, só percebeu algo errado quando ao entrar na sua cidade, se assustou ao sentir as primeiras bengaladas na cabeça e ao ouvir, ao mesmo tempo, uma voz alta, gritando em italiano:

  • Figlio che facciamo in questa città? Oggi non andremo nella nostra piccola fattoria?
  • (Filho que fazemos nesta cidade? Hoje não vamos ao sítio?)

Depois do enorme susto da família com o sumiço da minha bisavó, e muitas horas mais tarde, após muita confusão, mobilização da polícia, histórias sobre tentativa de sequestro e diligências mil por toda a região, minha bisavó finalmente foi ‘resgatada’ e devolvida sã e salva à São Manuel…

Até hoje essa história é contada na família e dizem as más línguas que por muitos anos, o pobre motorista da Kombi, acordava todas as noites, no meio de um pesadelo, onde via uma velhinha que lhe batia com a bengala na cabeça e gritava em italiano:

  • Figlio di un cane, ti sei perso la strada!
  • (Filho de um cão você errou a estrada!

José Luiz Ricchetti – 21/12/2022

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