Crônica: Clube da Voz

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cabeca-ricchetti Crônica: Clube da Voz

Meus primos tinham uma casa no bairro de Moema em São Paulo, a qual alugavam para o funcionamento de escritórios virtuais.
Assim, quem tivesse interesse em alugar uma de suas salas podia ter disponível toda a infraestrutura necessária para um escritório e ainda obter um endereço comercial disponível.

Me lembro que um dos clientes deles se chamava ‘Clube da Voz’ e era uma associação de profissionais altamente capacitados, todos locutores, que alugavam suas vozes para filmes comerciais, formaturas, jingles, propagandas, dublagens e todo tipo de atividade em que fosse necessário ter uma voz bonita, suave, grave, aguda etc.

Eles tinham um arquivo, uma espécie de acervo de profissionais da voz, com inúmeros tipos e timbres para cada tipo de necessidade, ou seja, aquele que precisasse de um determinado tipo de voz, recorria a eles e podia fazer os testes com os vários locutores disponíveis e escolher a voz mais adequada.

Hoje eu percebo que além dessas vozes especiais esse ‘Clube da Voz’ deveria estar também disponível para alugar vozes para pessoas comuns. O clube poderia alugar para as pessoas em geral, uma vez que, nos dias de hoje, impera o que eu chamo de “Síndrome do WhatsApp”.

Por causa dessa síndrome ninguém mais liga ao vivo para ninguém. Todo mundo manda uma mensagem, um meme ou na melhor das hipóteses uma mensagem de voz.

Ninguém mais pega no celular ou no telefone fixo e faz uma ligação, seja para um cliente, um amigo ou um parente. Ninguém mais liga nem para o pai, a mãe, a tia, o filho ou avó. Não ouvimos mais nenhuma voz ao vivo!

Esta semana eu passei por uma situação pessoal difícil e tive o apoio da família e dos amigos, mas não consegui ouvir quase nenhuma voz vinda de uma ligação ao vivo de nenhum deles.

A maioria preferiu me apoiar enviando um meme, uma mensagem de texto ou uma gravação de voz. Quase ninguém ligou ou fez um vídeo ao vivo para que eu pudesse pelo menos ouvir uma voz amiga ou ver um rosto conhecido que acalmasse meu coração.

Já faz algum tempo que me sinto um dinossauro quando, nos aniversários dos amigos, dos irmãos, dos filhos eu os surpreendo e faço uma ligação ao vivo, para cumprimentá-los.

Acredito que no futuro próximo não iremos mais a festas, nem a batizados, casamentos, formaturas e nem mesmo a enterros.

Trocaremos o afeto, o carinho, a atenção, a voz amiga que carrega sentimentos por um meme ou um texto qualquer que, por melhor que seja sempre, irá parecer frio e sem emoção.

É por isso que me ocorreu essa ideia de sugerir ao ‘Clube da Voz’ que passe a alugar vozes de timbres e tons especiais para pessoas comuns.

Já pensou você receber um telefonema do seu pai com a voz do Cid Moreira lhe cumprimentando pelo aniversário? E a sua filha recebendo os cumprimentos da mãe, que mora longe, com a voz da Fernanda Torres? E para os adolescentes de hoje então? Poderíamos ter o namorado, enviando os cumprimentos a sua garota com a voz do Justin Bieber ou de algum desses famosos cantores coreanos de grupos ‘Kpop’, por exemplo. As mulheres apaixonadas poderiam receber do marido, uma mensagem na voz do Richard Gere ou então os homens poderiam receber de suas mulheres bilhetes apaixonados na voz da Sharon Stone ou da Catherine Zeta-Jones.

Acho que do jeito que estamos caminhando, a exemplo dos antigos telegramas, iremos num futuro próximo acessar um site, escolher o timbre e o tom de voz, a foto ou vídeo do artista de um acervo e então ditaremos aquilo que gostaríamos de dizer a esposa, a namorada, ao amigo, a mãe, ao pai, ao irmão com uma voz, uma foto ou um vídeo emprestado.

Vivenciaremos uma era do desapego total de sentimentos, onde as pessoas irão demonstrar cada vez mais que não gostam de ninguém ou que têm medo de externar o que sentem e onde aquele que o faz é considerado um fraco ou um bobão.

A distância pode impedir um toque, um beijo, um abraço, mas não deve nunca inibir os sentimentos. Uma voz, mesmo de longe, pode transmitir o que a presença física impede naquele momento.

Confesso que não consigo entender nada disso, apenas sinto e o meu maior medo é que um dia eu comece a entender e então deixe de sentir….

Acho que o Clube da Voz tem tudo para ganhar mais clientes.

José Luiz Ricchetti – 10/10/2021

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Meus primos tinham uma casa no bairro de Moema em São Paulo, a qual alugavam para o funcionamento de escritórios virtuais.
Assim, quem tivesse interesse em alugar uma de suas salas podia ter disponível toda a infraestrutura necessária para um escritório e ainda obter um endereço comercial disponível.

Me lembro que um dos clientes deles se chamava ‘Clube da Voz’ e era uma associação de profissionais altamente capacitados, todos locutores, que alugavam suas vozes para filmes comerciais, formaturas, jingles, propagandas, dublagens e todo tipo de atividade em que fosse necessário ter uma voz bonita, suave, grave, aguda etc.

Eles tinham um arquivo, uma espécie de acervo de profissionais da voz, com inúmeros tipos e timbres para cada tipo de necessidade, ou seja, aquele que precisasse de um determinado tipo de voz, recorria a eles e podia fazer os testes com os vários locutores disponíveis e escolher a voz mais adequada.

Hoje eu percebo que além dessas vozes especiais esse ‘Clube da Voz’ deveria estar também disponível para alugar vozes para pessoas comuns. O clube poderia alugar para as pessoas em geral, uma vez que, nos dias de hoje, impera o que eu chamo de “Síndrome do WhatsApp”.

Por causa dessa síndrome ninguém mais liga ao vivo para ninguém. Todo mundo manda uma mensagem, um meme ou na melhor das hipóteses uma mensagem de voz.

Ninguém mais pega no celular ou no telefone fixo e faz uma ligação, seja para um cliente, um amigo ou um parente. Ninguém mais liga nem para o pai, a mãe, a tia, o filho ou avó. Não ouvimos mais nenhuma voz ao vivo!

Esta semana eu passei por uma situação pessoal difícil e tive o apoio da família e dos amigos, mas não consegui ouvir quase nenhuma voz vinda de uma ligação ao vivo de nenhum deles.

A maioria preferiu me apoiar enviando um meme, uma mensagem de texto ou uma gravação de voz. Quase ninguém ligou ou fez um vídeo ao vivo para que eu pudesse pelo menos ouvir uma voz amiga ou ver um rosto conhecido que acalmasse meu coração.

Já faz algum tempo que me sinto um dinossauro quando, nos aniversários dos amigos, dos irmãos, dos filhos eu os surpreendo e faço uma ligação ao vivo, para cumprimentá-los.

Acredito que no futuro próximo não iremos mais a festas, nem a batizados, casamentos, formaturas e nem mesmo a enterros.

Trocaremos o afeto, o carinho, a atenção, a voz amiga que carrega sentimentos por um meme ou um texto qualquer que, por melhor que seja sempre, irá parecer frio e sem emoção.

É por isso que me ocorreu essa ideia de sugerir ao ‘Clube da Voz’ que passe a alugar vozes de timbres e tons especiais para pessoas comuns.

Já pensou você receber um telefonema do seu pai com a voz do Cid Moreira lhe cumprimentando pelo aniversário? E a sua filha recebendo os cumprimentos da mãe, que mora longe, com a voz da Fernanda Torres? E para os adolescentes de hoje então? Poderíamos ter o namorado, enviando os cumprimentos a sua garota com a voz do Justin Bieber ou de algum desses famosos cantores coreanos de grupos ‘Kpop’, por exemplo. As mulheres apaixonadas poderiam receber do marido, uma mensagem na voz do Richard Gere ou então os homens poderiam receber de suas mulheres bilhetes apaixonados na voz da Sharon Stone ou da Catherine Zeta-Jones.

Acho que do jeito que estamos caminhando, a exemplo dos antigos telegramas, iremos num futuro próximo acessar um site, escolher o timbre e o tom de voz, a foto ou vídeo do artista de um acervo e então ditaremos aquilo que gostaríamos de dizer a esposa, a namorada, ao amigo, a mãe, ao pai, ao irmão com uma voz, uma foto ou um vídeo emprestado.

Vivenciaremos uma era do desapego total de sentimentos, onde as pessoas irão demonstrar cada vez mais que não gostam de ninguém ou que têm medo de externar o que sentem e onde aquele que o faz é considerado um fraco ou um bobão.

A distância pode impedir um toque, um beijo, um abraço, mas não deve nunca inibir os sentimentos. Uma voz, mesmo de longe, pode transmitir o que a presença física impede naquele momento.

Confesso que não consigo entender nada disso, apenas sinto e o meu maior medo é que um dia eu comece a entender e então deixe de sentir….

Acho que o Clube da Voz tem tudo para ganhar mais clientes.

José Luiz Ricchetti – 10/10/2021

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