O italiano Genaro Castaldi desembarcou em São Manuel no alvorecer do século XX, trazendo na bagagem a música e o espírito renascentista das terras italianas. Tinha uma alma que vibrava em notas de flauta e melodias, talvez uma herança invisível dos tempos em que acompanhou figuras como Ruggero Leoncavallo, o célebre compositor da ópera Pagliacci. Mas, em São Manuel, ele seria mais do que um eco da velha Itália. Seria a origem de um clã.
Genaro se casou com Leonela Stefani, filha de um daqueles homens fortes e pioneiros que vieram esculpir os trilhos da Sorocabana, desbravando as terras que ligariam Botucatu a Bauru e que carregava consigo a força do trabalho e o sonho de um futuro mais sólido. Com sua esposa, Genaro construiu não só uma família, mas um legado. Seus filhos, Renzo e Aldo, herdeiros, tanto da música, quanto do apreço pela terra, logo estariam prontos para espalhar suas próprias raízes no solo fértil de São Manuel, cidade de grande riqueza cafeeira.
Genaro não se contentou apenas em tocar instrumentos. Montou uma banda, abriu seu comércio e, numa época em que o cinema era um evento de mágica e encanto, criou o Cine Royal. Ali, entre silêncios e imagens em preto e branco, ele e seus filhos Renzo e Aldo levavam a trilha sonora ao vivo, enchendo o ambiente com flauta, piano e violino. Os sons preenchiam as salas e corações, conectando a audiência a um mundo que até então, era apenas para os olhos.
Renzo, o mais velho, logo abraçou carreira sólida, como funcionário do Banco do Brasil, deixando para Aldo a responsabilidade de fincar marcas profundas na história da cidade. Advogado, professor, jornalista e fazendeiro, Aldo Castaldi foi um defensor incansável do desenvolvimento de São Manuel. Lutou pela criação da primeira Escola Normal na cidade, liderou o hospital Casa Pia São Vicente de Paula e construiu uma ala nova no abrigo de idosos (hoje Pousada da Colina) para acolher os desamparados da velhice. Durante sua vida, sua figura tornou-se uma espécie de bastião de generosidade e respeito pela terra que o criou.
Sua esposa, Ada Melillo Castaldi, representava o espírito de solidariedade que sustentava as causas mais difíceis. Com o grupo das “Damas do Quilo,” Ada e sua amiga inseparável Vera Ricci mobilizavam várias outras mulheres na busca por doadores de alimentos para os idosos, tecendo redes de auxílio que muitas vezes eram o que restava para aqueles que já haviam perdido quase tudo. A família Melillo, com sua tradição no comércio, também era parte desse enorme tecido de solidariedade que sustentava São Manuel.
A herança dos Castaldi se perpetuou através dos filhos de Aldo e Ada. Quatro homens dos quais Dion e Dener, seguiram a tradição do pai e tornaram-se advogados brilhantes. Delton, que cedo nos deixou, se tornou servidor público e nos estendeu sua principal qualidade: fazer amigos dentro do conceito generoso de ser ‘amigo de todos’, sem falar na sua alma doce de poeta nato. Darlon, o caçula da família, transformou-se no fiel assessor dos irmãos advogados, contribuindo para manter viva a banca de advogados da família. Assim, cada um a seu modo, carregava consigo não apenas o peso de um sobrenome, mas a responsabilidade de honrar as raízes que Genaro plantara ao som de flautas e memórias e que Aldo aperfeiçoara no tempo, com sua expertise no meio jurídico e social.
O tempo passou, mas o Clã dos Castaldi permanece enraizado no coração de São Manuel, como uma melodia suave que ressoa nas pedras de granito de suas ruas antigas, nos corredores do Hospital Casa Pia e do Abrigo, nas páginas de leis e poesia. Em cada esquina, há um eco de sua música e uma sombra de sua generosidade, lembrando a todos que, assim como as notas de uma sinfonia, a verdadeira grandeza de uma família se espalha e reverbera, atravessando gerações e abraçando, silenciosamente, o futuro.
José Luiz Ricchetti – 12/11/24