Eu me tornei pai avô aos 63 anos. Muitos dos meus amigos me chamaram de louco, e talvez seja mesmo, mas louco de amor. Ser pai novamente depois dos sessenta anos é uma experiência rejuvenescedora e é incrível a gente perceber o poder que é ser um pai-avô e voltar a embalar uma filha nos braços. Posso garantir que é uma sensação indescritível, e de muita emoção.
Pensando sobre isso hoje, comecei a imaginar o que minha filha, que hoje tem 9 anos, escreveria sobre mim, daqui, vamos dizer, mais uns 10 ou 15 anos. Então me coloquei no lugar dela com 25 anos, e eu já com meus 88 anos.
E presunçosamente escrevi este texto abaixo, pensando que também seria o pensamento de muitas outras filhas em relação ao seu pai…
“O amor do meu pai sempre foi uma presença forte e silenciosa. Ele era bem mais velho que a minha mãe, e eu lembro de notar, desde pequena, as linhas em seu rosto, a forma como ele se movia devagar e o jeito calmo e seguro que ele me ensinava as coisas. Enquanto eu e minha mãe éramos o redemoinho de vida, energia e pressa, ele era o porto. Eu sabia que ele estaria lá sempre, com um sorriso que dizia que tudo ficaria bem.
Aos poucos, ele foi se tornando a figura que, para todos, parecia mais velha e frágil. Mas para mim, ele era jovem. Ele era aquele que me carregava no colo, que trançava meu cabelo com uma concentração quase sagrada, como se cada fio tivesse sua importância. Foi ele que me viu crescer, que me levou para o altar, que montou cada pedaço da minha nova casa, que me ajudou a entrar na vida adulta sem nunca me deixar sozinha.
O amor que ele tinha por mim era quieto, sutil. Ele não dizia muito, mas seus gestos falavam tudo o que eu precisava saber. Cada vez que eu o observava ajustando um móvel, montando as cadeiras do meu apartamento, eu sabia que ele estava ali, dizendo que eu tinha um lugar seguro para voltar.
Mas com o passar do tempo, comecei a perceber pequenas mudanças. Ele ia para a cama mais cedo, contava a mesma história que tinha me contado ontem. E eu me sentava, prestando atenção em cada palavra, como se aquelas fossem as últimas que eu poderia ouvir. Não sei quando percebi, mas houve um instante em que a imagem do meu pai mudou para mim – a sombra da idade parecia pesar mais, e, pela primeira vez, o medo de perdê-lo se instalou em mim como uma semente que eu tentava, a todo custo, ignorar.
A parte mais difícil de crescer é essa: ver o tempo levar, aos poucos, aqueles que você ama. E, no entanto, eu me recusava a aceitar. Me recusava a acreditar que ele podia partir, que ele pudesse me deixar. Porque, para mim, ele sempre seria aquele que montava minhas cadeiras, aquele que fazia promessas de dedinho, o homem que sempre seria jovem demais para ser velho.
Hoje, ao olhá-lo, vejo que seus pulmões ainda respiram fundo, que sua mente é afiada. E sinto o coração apertar, pedindo que ele fique. Porque ainda há muito que eu não sei, muito que ainda preciso aprender com ele. E, por mais que eu saiba que o tempo é implacável, me pego torcendo para que ele se esqueça de levar meu pai.
No dia, então, que eu ouvi a mesma história que ele já tinha me contado outras vezes, pensei em como ele é e sempre será meu primeiro amor, o único homem que eu nunca deixarei para trás. Porque, apesar dos cabelos grisalhos e da forma como o tempo lhe roubou um pouco da energia, ele continua sendo o mesmo homem de coração firme e braços abertos, o homem que me deu tudo sem pedir nada em troca.
No final, talvez eu esteja em negação, mas não aceito. Não aceito que o tempo o leve, não aceito que ele se vá. Porque, para mim, ele é, e sempre será, jovem demais para ser velho.”
José Luiz Ricchetti – 05/11/24