Era uma manhã quente quando meu voo tocou o solo português. O aeroporto Humberto Delgado estava tomado por uma sensação inquieta que eu não compreendia. Naquele 11 de setembro de 2001, o mundo mudava, e, sem saber o que se passava, cheguei a Lisboa, desavisado de um destino que parecia já traçado. A confusão ao meu redor, os soldados armados, o movimento inusitado de passageiros e funcionários, tudo me era um enigma até que uma atendente da TAP se aproximou e, com um olhar grave, revelou o que já se espalhava como fogo pelo planeta: Nova York estava sob ataque.
Como executivo principal da empresa, com um peso invisível em meus ombros, dei os primeiros passos em solo português para encarar o desafio que me trouxera até ali – instalar uma rede 3G em terras lusas, num contrato quase épico com uma empresa brasileira. Parecia simples no papel, mas os bastidores prometiam outra história. Logo descobri que a empresa que me contratara, comandada por Uko Jacub, um sujeito de modos antiquados e hábitos controversos, não tinha preparo algum para lidar com um contrato dessa envergadura. Filho de imigrantes poloneses, Uko era um homem de meia-idade, beberrão e com uma notória predileção por jogos de azar e conquistas amorosas duvidosas. Em seu repertório, Blackjack e roleta se misturavam com um amor inquieto por empregadas e mulheres ao acaso.
Apenas instalado em Lisboa, surgira a primeira oportunidade para firmar uma parceria sólida com uma empresa europeia. O encontro seria em Nice, durante uma feira de tecnologia. Animado com a perspectiva, fui surpreendido ao saber que Uko resolvera acompanhar a minha visita e ainda viria com sua mante atual. Era uma decisão, no mínimo, imprudente. Tinha a forte suspeita de que ele não se interessava pela feira, muito menos pelos negócios, mas sim pelo glamour da Côte d’Azur e a chance de exibir sua amante Rose, uma morena sexy, de traços finos e de uma elegância discreta que anunciava os vestígios de uma beleza que o tempo se encarregara de tornar mais densa.
À tiracolo, Uko decidiu incluir Luana, a gerente comercial do Brasil. Luana que aos 33 anos, emanava vitalidade e era a imagem de uma beleza natural. Morena, de olhos verdes, corpo atlético e passos decididos, ela era o reflexo da competência. Ao saber de sua presença, uma fagulha de memória acendeu em mim; éramos velhos conhecidos e, admito, guardava boas lembranças daqueles encontros.
Cheguei a Nice um dia antes. Hospedado no Hyatt Regency Nice Palais de la Mediterranee, um hotel com vista deslumbrante da Côte d’Azur, eu aguardava no bar do terraço, absorvendo a paz do cenário, enquanto esperava pelo trio que vinha de São Paulo. Finalmente, vi Uko e Rose saindo do portão, de mãos dadas, seguidos por Luana. A cena me arrancou um sorriso irônico, mas não pude deixar de questionar o enigma que era Rose, a amante resignada do desajeitado Uko. Era como se ela, por um capricho da vida, tivesse aceitado ser a peça de um jogo ao qual não pertencia.
Mas o jogo estava longe de se limitar ao tabuleiro de Uko. Entre Luana e eu, uma cumplicidade se acendia a cada encontro – olhares trocados, toques disfarçados e momentos roubados no canto de um corredor. Nossa relação florescia entre risos abafados e encontros escondidos nos corredores do hotel onde ele próprio nos hospedava. O que Uko jamais soube é que com o próprio dinheiro financiava nossas noites fogosas.
Durante o almoço, entre conversas superficiais e risadas de conveniência, percebi em Luana um olhar de compreensão. Ela sabia que, sob a capa de extravagância e do poder que Uko tentava exalar, havia um vazio. Era um jogo. E, como em todo jogo, era questão de tempo até que o desfecho se tornasse inevitável.
Para Uko, pouco importava o resultado; ele não jogava para ganhar ou perder, mas para sentir o frisson da aposta. Não importava se apostava seu dinheiro ou sua reputação — para ele, o jogo, principalmente o Blackjack era o que lhe fazia sentir-se vivo.
O primeiro sinal de que a viagem tomaria um rumo ainda mais extravagante veio naquela mesma tarde. Enquanto Uko se esforçava em impressionar Rose e Luana, algo no ar denunciava que ele não fazia ideia do papel que, inadvertidamente, desempenhava naquela ópera de interesses e falsos amores. Sem saber, ele bancava nosso espetáculo: cada jantar caro, cada estadia de luxo, cada impulso nas mesas de jogo e, claro, os momentos furtivos que Luana e eu, nos bastidores, tecíamos entre um compromisso e outro.
Mal tínhamos terminado o almoço, e Rose já acenava com entusiasmo para as lojas de luxo espalhadas pela Promenade des Anglais, enquanto Uko, como um pavão, fingia desinteresse, mas não conseguia evitar aquele sorriso complacente que só os perdidamente apaixonados estampam. Mal sabia ele que não apenas sustentava os caprichos de Rose, mas, indiretamente, financiava o meu romance com Luana.
Naquela primeira tarde, segui com eles pela Promenade. Rose, radiante, parecia uma turista deslumbrada, entrando e saindo das lojas de grife com a facilidade de quem brinca de comprar o mundo. Dior, Chanel, e até as joias da Cartier – nada estava fora do seu alcance, desde que Uko fosse o patrocinador. As sacolas se empilhavam aos pés de cada loja enquanto ele assinava os recibos com aquela ingenuidade de quem pensa estar no controle da situação. Olhava para ele e pensava: ali estava, sem sombra de dúvida, o grande paspalho da Riviera.
Mais tarde, a festa continuou no cassino. Em Monte Carlo, no lendário Casino de Monte-Carlo, a verdadeira natureza de Rose aflorou. Eu observava de longe, enquanto ela, entre sorrisos e gestos calculados, apostava freneticamente nas mesas de blackjack, atraindo olhares e abrindo garrafas de champanhe como se a fortuna fosse uma extensão de sua personalidade. A cada nova aposta, era como se ela desafiasse o próprio destino, imersa na adrenalina de ganhar ou perder o dinheiro de Uko.
Uko, por sua vez, mal conseguia conter a vaidade de estar ao lado de uma mulher que se movia com a autoconfiança de uma imperatriz. O que ele não via era que ela era tão encantada pelo jogo quanto por ele – se é que se encantava por algo além das fichas empilhadas sobre a mesa e das joias cintilantes que agora adornavam seu pescoço.
Enquanto isso, Luana e eu aproveitávamos cada instante em segredo. Era como se o tempo se dobrasse a nosso favor. Sabíamos que Uko, envolto em sua própria ilusão de grandeza, jamais notaria o que acontecia às suas costas. Nosso romance tinha o sabor da transgressão e da ironia – a própria viagem patrocinava o que ele jamais imaginaria. De mãos dadas, sob o luar de Nice ou num canto reservado de um restaurante, cada segundo era uma chance para viver o romance que, se dependesse de Uko, jamais aconteceria.
No fim daquela noite, após perder uma quantia considerável no cassino, Uko só não perdeu a pose. Retornamos ao hotel e o vi esgotado, quase envelhecido, enquanto Rose, cheia de vida, trazia nas mãos uma última sacola que, sem dúvida, custara outra pequena fortuna. Luana e eu trocamos um olhar silencioso, um acordo mudo de que aquilo era apenas o início. O show continuava, mas o verdadeiro jogo, o mais arriscado e excitante, acontecia fora das vistas de Uko, onde as fichas do amor e da traição eram apostadas com a confiança de quem sabia que, por enquanto, a sorte estava a nosso favor.
A viagem, que já era digna de uma comédia trágica, deu uma nova reviravolta em Monte Carlo. Foi na manhã seguinte ao fiasco no cassino que percebi que algo não se encaixava. Luana, que eu pensava ser apenas a minha cúmplice nessa trama, mantinha-se cada vez mais à vontade ao lado de Rose, algo que ia além do habitual entre duas mulheres que pouco se conheciam. Os olhares cúmplices, os risos abafados, a maneira como as duas se relacionavam me intrigava. De repente, uma ideia me atravessou como um raio: elas não estavam lá apenas para jogar em mesas de cassino. A verdade era que elas jogavam em um campo muito mais pessoal – e secreto.
Naquela tarde, ao confrontar Luana, fui surpreendido com a confirmação que transformaria toda a viagem em uma peça de teatro, com Uko financiando, involuntariamente, um triângulo amoroso extravagante. Descobri, num momento sozinho com elas, em meio a um sussurro de Luana entre risos abafados com Rose, que elas eram amantes de longa data. Sim, Luana e Rose tinham um romance secreto, e a viagem para a Riviera não era apenas um encontro para negócios ou para agradar os caprichos de Uko. Era, antes de tudo, uma oportunidade de encenar seu próprio jogo de sedução sob o disfarce de compromissos profissionais.
Naquela noite, de volta ao hotel, o clima tomou um rumo inesperado. Luana e Rose, em um raro momento de sinceridade, me confessaram que viviam um romance há dois anos. Em vez de choque, senti um misto de surpresa e excitação, algo que só fez crescer quando as duas, num impulso ousado e sem cerimônia, me envolveram em sua teia. Ali, na suíte luxuosa do Hyatt Regency, a trama se transformou em um encontro a três, com Uko sem a menor noção de que suas extravagâncias sustentavam muito mais do que o romance que ele pensava ter com Rose.
Enquanto ele dormia sozinho em seu quarto, esgotado após mais uma noite de apostas perdidas, a base de soníferos, Luana, Rose e eu vivíamos um jogo em que todos éramos vencedores – exceto ele. A cada momento compartilhado, ficava mais claro que ele, que havia embarcado nessa viagem acreditando que estava no controle, era apenas o patrocinador desavisado de um triângulo de desejos.
No final, a grande ironia foi perceber que Uko não havia financiado apenas um romance escondido entre um executivo e sua gerente; ele havia, na verdade, patrocinado uma aventura muito mais complexa. O verdadeiro jogo não estava nas mesas de blackjack ou nos brindes de champanhe. Estava nos olhares, nos sorrisos cúmplices, e na maneira como ele, sem saber, sustentava não um, mas três amantes.
E assim, o homem que pensava estar no centro do palco na verdade não passava de uma peça no tabuleiro alheio, o rico jogador de blackjack transformado no paspalho da Riviera.