Ah, a infância em São Manuel. Era como viver num recanto mágico, onde o tempo parecia ter um ritmo próprio, cadenciado pelo som dos sinos da igreja e pelo farfalhar das folhas ao vento de suas noites, sob a sombra protetora das grandes figueiras do jardim. Naquele pedaço de terra, pequeno, mas vasto aos olhos de uma criança, tudo tinha uma aura de descoberta.
As manhãs começavam com o canto dos galos, ecoando pelos quintais, e o cheiro de café e pão fresco se espalhavam pelas ruas de paralelepípedo, onde as crianças corriam livres, sem pressa de chegar, apenas de viver. A cidade, com suas casas de janelas grandes e muros baixos, parecia acolher a todos com braços abertos, como se soubesse que cada um ali carregava um pedaço de sua história.
Lembro-me do meu avô materno, sempre elegante, com seu chapéu de palha e terno bem cortado, sentado no banco da praça aos domingos. As rodas de conversa giravam em torno da prosperidade trazida pelo café, dos negócios fechados com um aperto de mãos e das amizades construídas em torno de um bom vinho, uma macarronada caseira aos domingos e, claro, o indispensável charuto. Eu, pequeno, observava aquele mundo de adultos com olhos curiosos, capturando cada detalhe, sem saber que um dia esses momentos seriam tesouros guardados para sempre no coração.
As tardes eram dedicadas à sombra da mangueira. Ali, no quintal de casa, a vida parecia desacelerar. Eu encontrava meus amigos, e juntos criávamos personagens das nossas histórias que só nós sabíamos viver. Aquele era o nosso refúgio, onde os segredos do universo se revelavam, e onde aprendi lições que, até hoje, ecoam em minha vida. Sob a copa daquela árvore, descobri que o tempo pode ser amigo quando se permite simplesmente estar.
O que eu mais guardo da infância em São Manuel não são apenas os fatos, mas as sensações. O cheiro do café da torrefação ao lado de casa, o pão caseiro saindo do forno a lenha, os pingos de chuva alimentando as poças formadas pelo piso degastado do corredor, o som das rodas de carroça no calçamento de paralelepípedo, os voos de içás com a chegada da primavera, o caldo de manga escorrendo pelas mãos, o gosto das jabuticabas colhidas diretamente do pé… São essas pequenas coisas que, de alguma forma, iluminaram meu caminho e me fizeram quem sou.
E assim, guardo a minha infância como o revoar das andorinhas, nos finais de tarde, ali no nosso lindo jardim, sem nunca tentar aprisioná-las em um cofre, mas deixando-as sempre livre para que voltem sempre, iluminando meus dias e trazendo à tona a mesma criança que, no fundo, ainda corre e voa pelas ruas de São Manuel…
José Luiz Ricchetti – 24/10/24