No salão esfumaçado da memória, onde as luzes da orquestra dançam ao ritmo da nostalgia, recordo-me dos tempos áureos em que o rosto colado era a linguagem silenciosa da sedução.
Era uma época em que os bailes do ‘Clube Recreativo’, na minha cidade natal, eram como poesias coreografadas, e os nossos corações dançavam juntos antes mesmo dos corpos se tocarem.
Em meio aos acordes suaves de uma melodia romântica, que fluíam pelo salão, os olhares se cruzavam timidamente, e as pernas tremiam ao se aproximar da mesa onde a garota alvo se encontrava. A coragem vinha acompanhada de uma ‘cuba libre’ ou ‘hi-fi’, combustíveis necessários para transformar o formalismo em convite: ‘Vamos dançar?’ Palavras que ressoavam pelo salão como promessas de um romance ainda a ser escrito.
O ‘sim’ dela era mais do que uma resposta afirmativa; era o eco de um desejo compartilhado, de uma conexão que já havia se desenhado nos olhares furtivos. Mas, às vezes, o ‘sim’ era apenas uma formalidade, uma dança educada para não desapontar o jovem audacioso. Seguindo as regras da boa educação, se dançava no máximo três vezes, uma coreografia de respeito mútuo, supervisionados pelos pais ou parentes.
No entanto, quando o clima se tornava palpável, quando a sintonia se transformava em sinfonia, os rostos se aproximavam e a sedução começava numa troca de palavras sussurradas ao vento da música, na parte mais escurinha do salão. Cada gesto, cada olhar, transformava o ato de seduzir em uma enciclopédia romântica, onde até as mentiras eram inocentes e o início de namoro o grande prêmio a conquistar.
Mas ao fazer um corte de cena para os dias atuais, o rosto colado se tornou uma relíquia de um passado distante. Os bailes foram substituídos por batidas aceleradas, os conjuntos melódicos deram lugar a ‘playlists digitais’, e a dança cadenciada foi substituída por movimentos frenéticos. A sedução, outrora suave como uma valsa, transformou-se em uma dança de desencontros.
No mundo contemporâneo, onde as luzes brilham intensamente, o beijo roubado é uma lembrança perdida na memória do tempo. As garotas agora contam beijos como troféus, e a essência do romance se perde em um emaranhado de impulsos efêmeros. Os bailes, antes um palco que celebrava a juventude, tornou-se um convescote sombrio, onde reina o funk e o chamado sertanejo universitário e a dança completamente distante da magia que reinava nos salões dos clubes do passado.
A aproximação entre pessoas tornou-se uma dança truncada. O rosto colado, antes uma expressão de intimidade, desapareceu no frenesi dos requebros, saltos, trejeitos e sacolejos. O diálogo, outrora conduzido ao som suave da música lenta, foi substituído pelo barulho ensurdecedor do bate-estaca.
Embora esteja aqui, talvez, falando como um velho saudosista, ninguém poderá roubar da minha memória os tempos mágicos em que o cavalheirismo de uma dança nos fazia flutuar por salões com pessoas especiais.
Hoje ‘Rosto Colado’, se torna apenas mais uma crônica, que talvez, daqui a alguns anos se apresente como folha amarelada, esquecida ao lado de uma foto em preto e branco, recordação do primeiro baile, onde dancei pela primeira vez o bolero ‘Bésame Mucho’.
Mas fica aqui a certeza: Quem não dançou de rosto colado não experimentou a magia dessa conexão única, um capítulo hoje perdido na enciclopédia romântica da vida mas que permanecerá eternamente gravado nas páginas douradas da memória do nosso tempo…
José Luiz Ricchetti – 23/01/24