CAPÍTULO XVI – O RELÓGIO DO PAÇO

Compartilhe este conteúdo:

cabeca-ricchetti CAPÍTULO XVI - O RELÓGIO DO PAÇO
Imagem-do-WhatsApp-de-2024-06-25-as-03.12.19_94967b42 CAPÍTULO XVI - O RELÓGIO DO PAÇO

Depois daquelas dificuldades na saída do nosso Cinema Paradiso tupiniquim e passados alguns bons minutos, eu notei que o nosso velho Ford 1946 parecia ter diminuído a sua característica velocidade de cruzeiro.

Até as suas ótimas arrancadas e seu ronco já não me pareciam os mesmos….

As luzes do painel não tinham o mesmo brilho e a mesma luminosidade e já não piscavam mais com a mesma intensidade…

Lembrei que o combustível, da última vez que tinha visto o marcador, apontava para um quarto de tanque. Olhei novamente o mostrador e vi que estava um pouco abaixo de um quarto e uma pequena luz vermelha acesa, imitando um tanque de combustível, aparecia agora no painel principal.

Aquilo não era, com certeza, um bom sinal! Mas eu tinha que voltar ao futuro!

Não tinha a mínima ideia de consumo daquela máquina do tempo, mas sabia que aquela viagem no tempo não podia ser indefinida e uma hora iria terminar.

Quando aconteceria o fim dessas minhas nuvens do tempo? O fim das minhas idas e vindas entre passado e futuro? De todos aqueles sonhos? Daquilo que parecia ser um portal do tempo?

Eu não fazia qualquer ideia!

Será que o meu velho companheiro de viagem estava perdendo a sua conexão com os “Buracos de Minhoca”?

Será que estava terminando aquela inacreditável e maravilhosa viagem pelo espaço e pelo tempo?

Só sei que depois da passagem do Cinema Paradiso, pelas referências todas que estavam surgindo, parecia que o Ford estava retomando o caminho de volta para casa, a minha casa em São Carlos.

Não se passou muito tempo e vejo que ele já sobrevoa, mais uma vez, o meu condomínio e aterrissa exatamente em frente à minha casa.

Me sentia ainda mais cansado daquela maratona de viagens. Antes de sair do carro, ainda sentado no banco do meu velho amigo de viagem, me espreguiço, tentando recolocar meus músculos no lugar.

Olho então para o relógio do painel, para me certificar se tínhamos voltado mesmo, para o ano de 2019. O mostrador me confirma. Estávamos mesmo em 2019. Ufa!!!!

Antes de sair, percebo algo luminoso, entre a porta e o banco do motorista e logo identifico que é o meu celular, que tinha sumido desde o início dessa jornada, lá ainda em Campos do Jordão.

Peguei o celular e abro rapidamente no “Facebook”, para ter as notícias do meu tempo.

Vejo então um post, com a fantástica notícia do restauro do Relógio do Paço Municipal na minha cidade natal de São Manuel. Era uma chamada do meu amigo Arnaldo Catalan, atual Secretário da Cultura, onde ele conta sobre o restauro do relógio e ao mesmo tempo me instiga na sua publicação, com um desafio, para eu faça uma crônica, sobre aquele nosso relógio, e assim homenageie o fantástico acontecimento.

Então me recordo como esse meu querido amigo de infância, Arnaldo, músico de talento, estava cuidando muito bem da nossa cultura.

Ele, que junto com outro amigo de infância, Beto Saglietti, hoje também Secretário da Educação, formam a dupla do barulho, os “meninos” que nos dão muito orgulho, e que estão revolucionando a nossa querida cidade.

Meninos que estavam emprestando seu bem maior, o tempo, para se dedicarem à cidade de São Manuel e a trazê-la de volta, para ser novamente digna do lema:

 “Ad Maiora Quotidie – Cada Vez Maior”.

Essa notícia do velho amigo Arnaldo e o seu desafio me despertam uma vontade enorme de saber como teria sido a inauguração dessa fantástica obra do Paço Municipal e do relógio de quatro cantos, lá pelo comecinho do século 20.

Então instantaneamente me lembro que agora eu tinha comigo o Ford 1946, essa fantástica máquina do tempo que estava me levando, através de viagens incríveis através do tempo e do espaço!

– Caramba por que não pensei nisso antes?

– Estou aqui sentado na própria máquina do tempo, que pode me levar para onde e quando eu quiser e no ano e espaço do tempo que eu quiser! Por que não a usar?

O meu desejo se sobrepõe a razão e pela primeira vez, arrisco ajustar eu mesmo o relógio do painel, colocando a data de 1908, data da inauguração do Paço Municipal em São Manuel, mesmo sabendo que o tanque do Ford tinha pouco combustível e que ele vinha rateando e falhando inúmeras vezes, sem mesmo se alçar muito bem para fazer seus voos.

Sem pensar mais, ajusto a relógio do painel para 1908, dou na partida, ele pega, rateia um pouco, ronca de modo fraco, meio que falhando, mas responde ao meu pé quando piso fundo no acelerador e sai patinando pelas ruas do meu condomínio e finalmente decola.

Lá vamos nós pelas alturas do céu de São Carlos, vizinho ao espaço aéreo da cidade de Pirassununga, onde fica a Academia da Força Aérea Brasileira.

Na sequência, depois das falhas do motor, ainda com o carro tentando estabilizar o motor, vejo de repente, bem ao meu lado, um jato da FAB, emparelhado com o Ford, em pleno ar.

Pelo rádio capto a voz do assustado piloto que relata à torre, a estranha presença de um OVNI no espaço aéreo brasileiro!

O piloto faz então aquele sinal característico para descer e aterrissar, como já tinha visto muito naqueles filmes de guerra de Hollywood.

“Uauu que loucura!” Pensei…

Olho pela janela, dou um sorriso sínico para o piloto e como que assentindo, que entendi a mensagem, faço um sinal de positivo.

Ao mesmo tempo, faço um pequeno teste na aceleração, para ver se o meu velho amigo Ford responde.

Vejo então, talvez intimidado pelo jato da FAB, que ele não só responde forte à aceleração, como assume imediatamente uma fantástica rotação no motor e em segundos ganha alta velocidade, furando os limites do tempo e desaparecendo do espaço aéreo de São Carlos, rumo a São Manuel de 1908!

Enquanto o carro ainda acelera buscando atingir agora a sua velocidade de cruzeiro, eu não consigo deixar de rir, pensando como será o relatório do piloto para a sua torre de controle e o seu comandante sobre o ocorrido….

Poucos minutos depois sobrevoamos São Manuel. O carro aterrissa em frente a redação do Jornal “O Movimento”, aquele primeiro jornal de São Manuel com edições semanais, que ficava nos fundos da Casa Ricchetti, bem em frente ao Paço Municipal.

Percebo que ele continua tendo problemas, pois agora ao invés de me levar para 1908 como programado, vejo pelo painel que a data em que aterrissamos é o ano de 1909, um ano a mais.

Mas, muito bem, vamos lá, de qualquer forma curtir este momento!

E com este pensamento fui descendo da minha máquina do tempo e atravessando a rua, para, muito curioso, adentrar a redação do Jornal “O Movimento” tocado por um dos ramos da minha família, os Ricchetti.

E não é que lá está, o meu bisavô Ricchetti, sentado no escritório e terminando a edição daquele domingo, dia 15 de agosto de 1909.

Então vejo, que da sua grande prensa estão saindo novos exemplares. Corro e furtivamente, passo pela frente do escritório, sem que meu bisavô perceba, com a intensão de pegar logo um daqueles jornais.

Retiro rápido um deles da esteira e começo a ler:

“Paço municipal prédio suntuoso, inspirado, no projeto do edifício da Prefeitura de Melbourne na Austrália, do qual seria uma réplica em menor escala, foi projetado e construído pela empresa do renomado Arquiteto Dácio Aguiar de Moraes.

Aguiar, nascido em Tietê, formado em Stuttgart na Alemanha e radicado em Botucatu, idealizou e construiu uma obra à altura do progresso e da pujança de São Manuel no início do século.

Aguiar é também o mesmo profissional competente que projetou as Catedrais, do Santuário de Santa Terezinha em nossa cidade e a Catedral de Santa Ana em Botucatu.

Além da sua arquitetura maravilhosa, no topo da torre, foi projetado a colocação de um relógio municipal com quatro quadrantes de vidro cor de leite, translúcido, de um metro de diâmetro, lâmpadas elétricas internas, dois sinos para horas e quartos e mais um remontador elétrico automático”

Mal termino de ler a notícia, que fala sobre o Paço e o maravilhoso Relógio de quatro lados, o carro buzina na frente do jornal, as suas luzes se acendem e eu percebo que esta viagem até o ano de 1909 parece que vai ser bem curta.

Antes de sair das oficinas do Jornal, instintivamente como que prevendo o futuro, me lembro das várias falhas que vinham ocorrendo no motor e recolho do lixo, ao lado da prensa, uma pequena lata de “parquetina” vazia e faço um furo no centro, pego também um pedaço de pano velho e para completar o meu kit, pego e encho uma garrafa vazia com água e coloco tudo no porta-malas do Ford.

Assim que entro no carro, preocupado em não perder o “timing” do tempo daquela viagem, percebo que o motor começa mais uma vez a falhar….

Logo agora? Será que é porque tem pouca gasolina?

Ou será que é aquele defeito crônico dos modelos Ford 46, na bomba de combustível igual ao que tínhamos no velho Fordão, carro ícone da minha adolescência?

Vejo que o ronco do motor está agora bem fraco e com falhas intermitentes….

Fora as falhas, lembro que o nosso Ford também tinha errado o ano, indo parar em 1909 ao invés de 1908.

E agora, ainda por cima, nem estava me dando tempo de curtir o ano 1909 em que aterrissamos!

Preocupado, piso no acelerador e mesmo com o motor falhando, percebo que ele começa a sair do lugar, mas sem que eu me lembrasse, antes, de ajustar o ano no painel.

Caramba! E agora? Para onde será que ele vai me levar?

Ele alça voo e dá várias e pequenas voltas no entorno do Paço Municipal, recém-inaugurado, como se estivesse sem rumo.

Em seguida, faz um voo bem curto pelos céus da cidade, passa pela chácara do Chiapina, rateia ainda mais, mas consegue finalmente ganhar altura e entra em regime de voo, penetrando as nuvens.

Depois, talvez de uns dez minutos de voo, ele retorna e sobrevoa a estrada da Aparecidinha. Falha mais algumas vezes até que desce muito rápido e de modo atabalhoado, aterrissando defronte ao jardim da minha cidade.

Olho no painel e vejo que com aquele voo curto tínhamos avançado três anos! Estávamos agora em 1912!

O motor desliga e começo a ouvir uma música linda, misturada ao som dos pardais e andorinhas que procuram seus ninhos, nas figueiras do jardim, no final da tarde.

Percebo que a música vem do coreto onde uma garbosa banda, impecavelmente uniformizada, todos com ternos azul marinho e galardões e botões dourados, toca lindamente.

Olho para o coreto e identifico meu bisavô, o maestro Ricchetti à frente da banda. Me parece orgulhoso dos belos instrumentos, que de tão novos, lustrados e brilhantes, refletem a luminosidade daquele fim de tarde.

Os garbosos e competentes músicos entoam lindas músicas de retreta e alguns pequenos trechos de óperas famosas.

Naquele momento ímpar, reconheço a música que está tocando. É exatamente uma velha conhecida minha, a ópera “Linda de Chamonix” de Gaetano Donizetti, aquela mesma ópera que tinha inspirado meu avô a dar o nome de Linda à minha avó.

Fico só observando, na tranquilidade daquele fim de tarde e começo de noite, o famoso coreto, de tantas recordações, onde no entorno as famílias mantinham a bela tradição de dançar à sua volta, ao som das músicas, sempre tendo no colo ou ao lado, filhos e netos.

Era um domingo, a lua já começava a batizar aquela linda noite e estou agora sentado num daqueles bancos de madeira, que no futuro serão de “granilite”, e trarão estampados no encosto os “reclames” das futuras casas comerciais e empresas tradicionais da cidade, registrando a história dos seus prósperos imigrantes.

Fico ali admirando aquela cena ímpar de tantas tradições e ouvindo o som dos pássaros se misturarem com as lindas músicas da banda, matando as saudades.

Do banco do jardim, arrisco um olhar por entre as árvores e vejo ele ali, sempre presente a marcar o nosso tempo, o Relógio do Paço Municipal.

Ele que com o seu tempo nos marcou e ainda marca tudo na cidade, como se fosse apenas a duração de um segundo que num instante se passa!

Eram exatamente nove horas da noite de domingo, começo de mais uma noite de 1912, denunciado pelo primeiro som saindo de seus sinos, marcando a primeira das nove badaladas.

Aquela mistura de sons e imagens, da música, do coreto, da banda, dos pardais e das pequenas andorinhas procurando seus ninhos, das badaladas do Relógio do Paço, juntos e misturados, me fizeram voar nos pensamentos e relembrar tudo que havia se passado, desde que entrei naquele antigo carro Ford 1946, da feira de carros antigos em Campos do Jordão.

Como que andando pelos meus pensamentos, ando mentalmente também pela cidade, repassando toda a minha infância e adolescência com seus locais mais marcantes…

Passo na frente das casas em que morei, na Epitácio Pessoa e na Batista Martins, me recordo dos meus saudosos pais, revejo o Grupo Escolar, o Instituto de Educação, o Tênis Clube, o Clube Recreativo, a Igreja Matriz, o antigo prédio do bar Colonial, bar das memoráveis pizzas e furtivos drinks escondidos com os amigos, antes de cada baile.

É como se um velho filme estivesse passando pela minha cabeça e eu começo a relembrar de tudo novamente e tudo ao mesmo tempo.

É a minha rua, as peladas, os passeios de bicicleta, as bolinhas de gude, as pipas, as brincadeiras na piscina do tênis, as serenatas, os bailes, os fantásticos carnavais, os jogos pela seleção do colégio, os professores mais queridos, os desfiles, a fanfarra, o tiro de guerra, a missa das dez na Matriz, as sessões do cinema novo, de terno e gravata, a primeira namorada, os amigos inseparáveis da infância…

Tudo vem como um turbilhão de emoções dessa época dos anos dourados, em que podíamos criar e recriar tudo, sempre do nosso jeito, da nossa maneira.

Época em que podíamos sorrir, brincar, dançar, se vestir diferente, com nossos cabelos longos, ouvir os Beatles, viver à nossa maneira com todas as cores, pés descalços, nossa infância, adolescência, muitos sabores e nossos primeiros amores.

Tudo se mistura como que numa grande tempestade de pensamentos, com seus raios, trovões e chuva intensa de granizo caindo e marcando o chão, como aqueles de fim de tarde, num verão qualquer da nossa infância da vida, onde corríamos na chuva e brincávamos nas enxurradas.

Quando dou por mim, estou ali, sem perceber, recitando um poema de Dyke que traduz muito bem essa nossa passagem do tempo:

“O tempo é muito lento para os que esperam, muito rápido para os que têm medo, muito longo para os que lamentam, muito curto para os que festejam, mas eterno para aqueles que amam! ”

Volto a olhar o velho relógio, e noto como é mesmo majestoso e altivo.

Ele sempre lá no alto, para nos lembrar do tempo. Ele, que marcado pela placa, no topo da sua torre, com o ano do seu nascimento, da sua inauguração, 1908 nos faz lembrar mais uma vez como se passaram todos esses anos, como passou o nosso tempo.

Revendo aquele prédio e o velho relógio, me salta da memória mais uma pequena lasquinha da história, lá no futuro, época da minha adolescência em que gastávamos o exatamente esse tempo, ali sentados nas suas grades de ferro da majestosa torre, para ouvir os últimos sucessos em vinil que o Mauro de Oliveira tocava, na vitrola da Casa Ricchetti ou então ler um bom livro, na Biblioteca Municipal, que ficava na parte de baixo do mesmo prédio.

Ah como passou e correu esse tempo!  Ahh… o nosso tempo!

E quando ali do banco do jardim acordo desses pensamentos, desses devaneios, e olho outra vez pelo buraco da figueira para o nosso relógio de quatro lados, vejo que os ponteiros já se encaminhavam para a meia noite!

Eram 11:45 h ou seja, só faltavam quinze minutos para meia noite!

Eu sabia, que em todas as outras vezes, nunca o Ford tinha se deixado ficar até depois da meia noite. Então alguma coisa me dizia que passar da meia noite era um problema e eu não poderia arriscar.

O medo e a insegurança começaram a me consumir.

– Meu Deus eu ainda estou em 1912 e são quase meia noite!

– Eu preciso voltar para o dia de hoje, no futuro, para 2019, meu tempo real!

– E o Ford? Será que vai me deixar na mão? Será que vai falhar? Será que terei combustível? As falhas será que são da bomba de gasolina?

No meio de tantas dúvidas e incertezas, me lembro, que mesmo nos piores dias da velha bomba de gasolina do nosso velho Fordão da adolescência, aquele carro nunca havia nos deixado para trás.

Então ganho um pouco de confiança, afinal, este Ford de agora, é também a minha máquina do tempo!

Corro os olhos em volta do jardim para ver onde ele estava estacionado.

Ahh, lá está o meu Ford 1946, bonito, brilhante, bem em frente, aonde, um dia do futuro, será a sorveteria do Chiquinho e onde iremos tomar deliciosos sorvetes de creme, de coco queimado e de limão.

Lanço um último olhar para o velho Relógio do Paço, e antes de entrar no carro, dou um pequeno e leve tapinha no capô deste meu companheiro de viagens pelo tempo e lhe digo quase gritando:

— Vamos lá amigão, confio em você!

Vejo ele piscar os faróis, como se tivesse entendido o que eu havia diro e assentido com uma resposta do tipo: — Pode confiar sim!

Entro, sento-me no assento do motorista e me preparo para a viagem de volta, com todas aquelas dúvidas, ainda me assaltando a cabeça:

— Será que vou conseguir achar os caminhos dos buracos de minhoca e reencontrar o meu tempo?

— Será que conseguirei chegar de volta a 2019 de onde saí?

Então, tentando ser mais confiante, giro a chave e dou na partida.

Mas o lindo Ford, minha máquina do tempo, como aconteceu inúmeras vezes com o nosso velho Fordão da adolescência, falha!

Entro em desespero…

– Meu Deus, e agora?

– Será que acabou o combustível?

– Será que vou ficar preso aqui em 1912?

O relógio começa a dar a primeira badalada da meia noite! Faltam 60 segundos!

– Deve ser a velha bomba de gasolina, ela deve estar quente.

– Penso desesperado….

Então me lembro do nosso velho truque, aquele que nós fazíamos para fazer o nosso Fordão pegar, quando a “bendita” bomba de gasolina esquentava e do kit que eu havia preparado.

Corro até o porta-malas, pego a latinha de “Parquetina”, o pano velho, ensopo com a água da garrafa, tudo que preventivamente tinha pêgo na Tipografia, envolvo a bomba com a lata, ela então esfria, eu corro e dou a partida novamente, o motor rateia, rateia, rateia, mas não pega. Eu continuo tentando….

Olho o relógio do painel do carro, comparo com o relógio do Paço e vejo que só faltam alguns segundos para a décima segunda badalada!

Dou na partida novamente, o motor se engasga e rateia mais uma vez …….

Desesperado dou partida pela enésima vez….

E ele finalmente pega! 

Acelero firme e o nosso Ford abre aquele inesquecível ronco novamente.

Enfio o pé até o fundo do acelerador, e ele sai em desabalada carreira, na direção da subida da Estação Ferroviária.

O meu querido e velho Ford 46 ainda rateia várias vezes seguidas, faz uma curva à direita, em cima do antigo bebedouro de cavalos, perto da estação e começa a alçar voo, ainda com uma certa dificuldade.

Enquanto estamos subindo aos poucos e passando raspando sobre o telhado da estação, consigo olhar para o relógio e vê-lo agora marcando exatamente a meia noite. O sino dá então a última das doze badaladas!

Ufaaaaaaaaaa!!!! Entramos sobrevoando os trilhos da velha Sorocabana, a velocidade sobe mais um pouco, a bomba de gasolina parece que esfria de vez e o Ford 46 acelera, entra em regime e atinge em segundos, uma altíssima velocidade.

E zaz! Desaparece nos céus, deixando a São Manuel de 1912 para trás.

Meu coração ainda está apertado, mas me diz que esta será a última viagem no tempo, o último voo, meu último destino.

Mas uma grande dúvida ainda continua a me preocupar e a me deixar angustiado…

– Será que vou conseguir voltar ao futuro? Ao ano de 2019?

CAPÍTULO XVI – O RELÓGIO DO PAÇO

Compartilhe este conteúdo:

cabeca-ricchetti CAPÍTULO XVI - O RELÓGIO DO PAÇO
Imagem-do-WhatsApp-de-2024-06-25-as-03.12.19_94967b42 CAPÍTULO XVI - O RELÓGIO DO PAÇO

Depois daquelas dificuldades na saída do nosso Cinema Paradiso tupiniquim e passados alguns bons minutos, eu notei que o nosso velho Ford 1946 parecia ter diminuído a sua característica velocidade de cruzeiro.

Até as suas ótimas arrancadas e seu ronco já não me pareciam os mesmos….

As luzes do painel não tinham o mesmo brilho e a mesma luminosidade e já não piscavam mais com a mesma intensidade…

Lembrei que o combustível, da última vez que tinha visto o marcador, apontava para um quarto de tanque. Olhei novamente o mostrador e vi que estava um pouco abaixo de um quarto e uma pequena luz vermelha acesa, imitando um tanque de combustível, aparecia agora no painel principal.

Aquilo não era, com certeza, um bom sinal! Mas eu tinha que voltar ao futuro!

Não tinha a mínima ideia de consumo daquela máquina do tempo, mas sabia que aquela viagem no tempo não podia ser indefinida e uma hora iria terminar.

Quando aconteceria o fim dessas minhas nuvens do tempo? O fim das minhas idas e vindas entre passado e futuro? De todos aqueles sonhos? Daquilo que parecia ser um portal do tempo?

Eu não fazia qualquer ideia!

Será que o meu velho companheiro de viagem estava perdendo a sua conexão com os “Buracos de Minhoca”?

Será que estava terminando aquela inacreditável e maravilhosa viagem pelo espaço e pelo tempo?

Só sei que depois da passagem do Cinema Paradiso, pelas referências todas que estavam surgindo, parecia que o Ford estava retomando o caminho de volta para casa, a minha casa em São Carlos.

Não se passou muito tempo e vejo que ele já sobrevoa, mais uma vez, o meu condomínio e aterrissa exatamente em frente à minha casa.

Me sentia ainda mais cansado daquela maratona de viagens. Antes de sair do carro, ainda sentado no banco do meu velho amigo de viagem, me espreguiço, tentando recolocar meus músculos no lugar.

Olho então para o relógio do painel, para me certificar se tínhamos voltado mesmo, para o ano de 2019. O mostrador me confirma. Estávamos mesmo em 2019. Ufa!!!!

Antes de sair, percebo algo luminoso, entre a porta e o banco do motorista e logo identifico que é o meu celular, que tinha sumido desde o início dessa jornada, lá ainda em Campos do Jordão.

Peguei o celular e abro rapidamente no “Facebook”, para ter as notícias do meu tempo.

Vejo então um post, com a fantástica notícia do restauro do Relógio do Paço Municipal na minha cidade natal de São Manuel. Era uma chamada do meu amigo Arnaldo Catalan, atual Secretário da Cultura, onde ele conta sobre o restauro do relógio e ao mesmo tempo me instiga na sua publicação, com um desafio, para eu faça uma crônica, sobre aquele nosso relógio, e assim homenageie o fantástico acontecimento.

Então me recordo como esse meu querido amigo de infância, Arnaldo, músico de talento, estava cuidando muito bem da nossa cultura.

Ele, que junto com outro amigo de infância, Beto Saglietti, hoje também Secretário da Educação, formam a dupla do barulho, os “meninos” que nos dão muito orgulho, e que estão revolucionando a nossa querida cidade.

Meninos que estavam emprestando seu bem maior, o tempo, para se dedicarem à cidade de São Manuel e a trazê-la de volta, para ser novamente digna do lema:

 “Ad Maiora Quotidie – Cada Vez Maior”.

Essa notícia do velho amigo Arnaldo e o seu desafio me despertam uma vontade enorme de saber como teria sido a inauguração dessa fantástica obra do Paço Municipal e do relógio de quatro cantos, lá pelo comecinho do século 20.

Então instantaneamente me lembro que agora eu tinha comigo o Ford 1946, essa fantástica máquina do tempo que estava me levando, através de viagens incríveis através do tempo e do espaço!

– Caramba por que não pensei nisso antes?

– Estou aqui sentado na própria máquina do tempo, que pode me levar para onde e quando eu quiser e no ano e espaço do tempo que eu quiser! Por que não a usar?

O meu desejo se sobrepõe a razão e pela primeira vez, arrisco ajustar eu mesmo o relógio do painel, colocando a data de 1908, data da inauguração do Paço Municipal em São Manuel, mesmo sabendo que o tanque do Ford tinha pouco combustível e que ele vinha rateando e falhando inúmeras vezes, sem mesmo se alçar muito bem para fazer seus voos.

Sem pensar mais, ajusto a relógio do painel para 1908, dou na partida, ele pega, rateia um pouco, ronca de modo fraco, meio que falhando, mas responde ao meu pé quando piso fundo no acelerador e sai patinando pelas ruas do meu condomínio e finalmente decola.

Lá vamos nós pelas alturas do céu de São Carlos, vizinho ao espaço aéreo da cidade de Pirassununga, onde fica a Academia da Força Aérea Brasileira.

Na sequência, depois das falhas do motor, ainda com o carro tentando estabilizar o motor, vejo de repente, bem ao meu lado, um jato da FAB, emparelhado com o Ford, em pleno ar.

Pelo rádio capto a voz do assustado piloto que relata à torre, a estranha presença de um OVNI no espaço aéreo brasileiro!

O piloto faz então aquele sinal característico para descer e aterrissar, como já tinha visto muito naqueles filmes de guerra de Hollywood.

“Uauu que loucura!” Pensei…

Olho pela janela, dou um sorriso sínico para o piloto e como que assentindo, que entendi a mensagem, faço um sinal de positivo.

Ao mesmo tempo, faço um pequeno teste na aceleração, para ver se o meu velho amigo Ford responde.

Vejo então, talvez intimidado pelo jato da FAB, que ele não só responde forte à aceleração, como assume imediatamente uma fantástica rotação no motor e em segundos ganha alta velocidade, furando os limites do tempo e desaparecendo do espaço aéreo de São Carlos, rumo a São Manuel de 1908!

Enquanto o carro ainda acelera buscando atingir agora a sua velocidade de cruzeiro, eu não consigo deixar de rir, pensando como será o relatório do piloto para a sua torre de controle e o seu comandante sobre o ocorrido….

Poucos minutos depois sobrevoamos São Manuel. O carro aterrissa em frente a redação do Jornal “O Movimento”, aquele primeiro jornal de São Manuel com edições semanais, que ficava nos fundos da Casa Ricchetti, bem em frente ao Paço Municipal.

Percebo que ele continua tendo problemas, pois agora ao invés de me levar para 1908 como programado, vejo pelo painel que a data em que aterrissamos é o ano de 1909, um ano a mais.

Mas, muito bem, vamos lá, de qualquer forma curtir este momento!

E com este pensamento fui descendo da minha máquina do tempo e atravessando a rua, para, muito curioso, adentrar a redação do Jornal “O Movimento” tocado por um dos ramos da minha família, os Ricchetti.

E não é que lá está, o meu bisavô Ricchetti, sentado no escritório e terminando a edição daquele domingo, dia 15 de agosto de 1909.

Então vejo, que da sua grande prensa estão saindo novos exemplares. Corro e furtivamente, passo pela frente do escritório, sem que meu bisavô perceba, com a intensão de pegar logo um daqueles jornais.

Retiro rápido um deles da esteira e começo a ler:

“Paço municipal prédio suntuoso, inspirado, no projeto do edifício da Prefeitura de Melbourne na Austrália, do qual seria uma réplica em menor escala, foi projetado e construído pela empresa do renomado Arquiteto Dácio Aguiar de Moraes.

Aguiar, nascido em Tietê, formado em Stuttgart na Alemanha e radicado em Botucatu, idealizou e construiu uma obra à altura do progresso e da pujança de São Manuel no início do século.

Aguiar é também o mesmo profissional competente que projetou as Catedrais, do Santuário de Santa Terezinha em nossa cidade e a Catedral de Santa Ana em Botucatu.

Além da sua arquitetura maravilhosa, no topo da torre, foi projetado a colocação de um relógio municipal com quatro quadrantes de vidro cor de leite, translúcido, de um metro de diâmetro, lâmpadas elétricas internas, dois sinos para horas e quartos e mais um remontador elétrico automático”

Mal termino de ler a notícia, que fala sobre o Paço e o maravilhoso Relógio de quatro lados, o carro buzina na frente do jornal, as suas luzes se acendem e eu percebo que esta viagem até o ano de 1909 parece que vai ser bem curta.

Antes de sair das oficinas do Jornal, instintivamente como que prevendo o futuro, me lembro das várias falhas que vinham ocorrendo no motor e recolho do lixo, ao lado da prensa, uma pequena lata de “parquetina” vazia e faço um furo no centro, pego também um pedaço de pano velho e para completar o meu kit, pego e encho uma garrafa vazia com água e coloco tudo no porta-malas do Ford.

Assim que entro no carro, preocupado em não perder o “timing” do tempo daquela viagem, percebo que o motor começa mais uma vez a falhar….

Logo agora? Será que é porque tem pouca gasolina?

Ou será que é aquele defeito crônico dos modelos Ford 46, na bomba de combustível igual ao que tínhamos no velho Fordão, carro ícone da minha adolescência?

Vejo que o ronco do motor está agora bem fraco e com falhas intermitentes….

Fora as falhas, lembro que o nosso Ford também tinha errado o ano, indo parar em 1909 ao invés de 1908.

E agora, ainda por cima, nem estava me dando tempo de curtir o ano 1909 em que aterrissamos!

Preocupado, piso no acelerador e mesmo com o motor falhando, percebo que ele começa a sair do lugar, mas sem que eu me lembrasse, antes, de ajustar o ano no painel.

Caramba! E agora? Para onde será que ele vai me levar?

Ele alça voo e dá várias e pequenas voltas no entorno do Paço Municipal, recém-inaugurado, como se estivesse sem rumo.

Em seguida, faz um voo bem curto pelos céus da cidade, passa pela chácara do Chiapina, rateia ainda mais, mas consegue finalmente ganhar altura e entra em regime de voo, penetrando as nuvens.

Depois, talvez de uns dez minutos de voo, ele retorna e sobrevoa a estrada da Aparecidinha. Falha mais algumas vezes até que desce muito rápido e de modo atabalhoado, aterrissando defronte ao jardim da minha cidade.

Olho no painel e vejo que com aquele voo curto tínhamos avançado três anos! Estávamos agora em 1912!

O motor desliga e começo a ouvir uma música linda, misturada ao som dos pardais e andorinhas que procuram seus ninhos, nas figueiras do jardim, no final da tarde.

Percebo que a música vem do coreto onde uma garbosa banda, impecavelmente uniformizada, todos com ternos azul marinho e galardões e botões dourados, toca lindamente.

Olho para o coreto e identifico meu bisavô, o maestro Ricchetti à frente da banda. Me parece orgulhoso dos belos instrumentos, que de tão novos, lustrados e brilhantes, refletem a luminosidade daquele fim de tarde.

Os garbosos e competentes músicos entoam lindas músicas de retreta e alguns pequenos trechos de óperas famosas.

Naquele momento ímpar, reconheço a música que está tocando. É exatamente uma velha conhecida minha, a ópera “Linda de Chamonix” de Gaetano Donizetti, aquela mesma ópera que tinha inspirado meu avô a dar o nome de Linda à minha avó.

Fico só observando, na tranquilidade daquele fim de tarde e começo de noite, o famoso coreto, de tantas recordações, onde no entorno as famílias mantinham a bela tradição de dançar à sua volta, ao som das músicas, sempre tendo no colo ou ao lado, filhos e netos.

Era um domingo, a lua já começava a batizar aquela linda noite e estou agora sentado num daqueles bancos de madeira, que no futuro serão de “granilite”, e trarão estampados no encosto os “reclames” das futuras casas comerciais e empresas tradicionais da cidade, registrando a história dos seus prósperos imigrantes.

Fico ali admirando aquela cena ímpar de tantas tradições e ouvindo o som dos pássaros se misturarem com as lindas músicas da banda, matando as saudades.

Do banco do jardim, arrisco um olhar por entre as árvores e vejo ele ali, sempre presente a marcar o nosso tempo, o Relógio do Paço Municipal.

Ele que com o seu tempo nos marcou e ainda marca tudo na cidade, como se fosse apenas a duração de um segundo que num instante se passa!

Eram exatamente nove horas da noite de domingo, começo de mais uma noite de 1912, denunciado pelo primeiro som saindo de seus sinos, marcando a primeira das nove badaladas.

Aquela mistura de sons e imagens, da música, do coreto, da banda, dos pardais e das pequenas andorinhas procurando seus ninhos, das badaladas do Relógio do Paço, juntos e misturados, me fizeram voar nos pensamentos e relembrar tudo que havia se passado, desde que entrei naquele antigo carro Ford 1946, da feira de carros antigos em Campos do Jordão.

Como que andando pelos meus pensamentos, ando mentalmente também pela cidade, repassando toda a minha infância e adolescência com seus locais mais marcantes…

Passo na frente das casas em que morei, na Epitácio Pessoa e na Batista Martins, me recordo dos meus saudosos pais, revejo o Grupo Escolar, o Instituto de Educação, o Tênis Clube, o Clube Recreativo, a Igreja Matriz, o antigo prédio do bar Colonial, bar das memoráveis pizzas e furtivos drinks escondidos com os amigos, antes de cada baile.

É como se um velho filme estivesse passando pela minha cabeça e eu começo a relembrar de tudo novamente e tudo ao mesmo tempo.

É a minha rua, as peladas, os passeios de bicicleta, as bolinhas de gude, as pipas, as brincadeiras na piscina do tênis, as serenatas, os bailes, os fantásticos carnavais, os jogos pela seleção do colégio, os professores mais queridos, os desfiles, a fanfarra, o tiro de guerra, a missa das dez na Matriz, as sessões do cinema novo, de terno e gravata, a primeira namorada, os amigos inseparáveis da infância…

Tudo vem como um turbilhão de emoções dessa época dos anos dourados, em que podíamos criar e recriar tudo, sempre do nosso jeito, da nossa maneira.

Época em que podíamos sorrir, brincar, dançar, se vestir diferente, com nossos cabelos longos, ouvir os Beatles, viver à nossa maneira com todas as cores, pés descalços, nossa infância, adolescência, muitos sabores e nossos primeiros amores.

Tudo se mistura como que numa grande tempestade de pensamentos, com seus raios, trovões e chuva intensa de granizo caindo e marcando o chão, como aqueles de fim de tarde, num verão qualquer da nossa infância da vida, onde corríamos na chuva e brincávamos nas enxurradas.

Quando dou por mim, estou ali, sem perceber, recitando um poema de Dyke que traduz muito bem essa nossa passagem do tempo:

“O tempo é muito lento para os que esperam, muito rápido para os que têm medo, muito longo para os que lamentam, muito curto para os que festejam, mas eterno para aqueles que amam! ”

Volto a olhar o velho relógio, e noto como é mesmo majestoso e altivo.

Ele sempre lá no alto, para nos lembrar do tempo. Ele, que marcado pela placa, no topo da sua torre, com o ano do seu nascimento, da sua inauguração, 1908 nos faz lembrar mais uma vez como se passaram todos esses anos, como passou o nosso tempo.

Revendo aquele prédio e o velho relógio, me salta da memória mais uma pequena lasquinha da história, lá no futuro, época da minha adolescência em que gastávamos o exatamente esse tempo, ali sentados nas suas grades de ferro da majestosa torre, para ouvir os últimos sucessos em vinil que o Mauro de Oliveira tocava, na vitrola da Casa Ricchetti ou então ler um bom livro, na Biblioteca Municipal, que ficava na parte de baixo do mesmo prédio.

Ah como passou e correu esse tempo!  Ahh… o nosso tempo!

E quando ali do banco do jardim acordo desses pensamentos, desses devaneios, e olho outra vez pelo buraco da figueira para o nosso relógio de quatro lados, vejo que os ponteiros já se encaminhavam para a meia noite!

Eram 11:45 h ou seja, só faltavam quinze minutos para meia noite!

Eu sabia, que em todas as outras vezes, nunca o Ford tinha se deixado ficar até depois da meia noite. Então alguma coisa me dizia que passar da meia noite era um problema e eu não poderia arriscar.

O medo e a insegurança começaram a me consumir.

– Meu Deus eu ainda estou em 1912 e são quase meia noite!

– Eu preciso voltar para o dia de hoje, no futuro, para 2019, meu tempo real!

– E o Ford? Será que vai me deixar na mão? Será que vai falhar? Será que terei combustível? As falhas será que são da bomba de gasolina?

No meio de tantas dúvidas e incertezas, me lembro, que mesmo nos piores dias da velha bomba de gasolina do nosso velho Fordão da adolescência, aquele carro nunca havia nos deixado para trás.

Então ganho um pouco de confiança, afinal, este Ford de agora, é também a minha máquina do tempo!

Corro os olhos em volta do jardim para ver onde ele estava estacionado.

Ahh, lá está o meu Ford 1946, bonito, brilhante, bem em frente, aonde, um dia do futuro, será a sorveteria do Chiquinho e onde iremos tomar deliciosos sorvetes de creme, de coco queimado e de limão.

Lanço um último olhar para o velho Relógio do Paço, e antes de entrar no carro, dou um pequeno e leve tapinha no capô deste meu companheiro de viagens pelo tempo e lhe digo quase gritando:

— Vamos lá amigão, confio em você!

Vejo ele piscar os faróis, como se tivesse entendido o que eu havia diro e assentido com uma resposta do tipo: — Pode confiar sim!

Entro, sento-me no assento do motorista e me preparo para a viagem de volta, com todas aquelas dúvidas, ainda me assaltando a cabeça:

— Será que vou conseguir achar os caminhos dos buracos de minhoca e reencontrar o meu tempo?

— Será que conseguirei chegar de volta a 2019 de onde saí?

Então, tentando ser mais confiante, giro a chave e dou na partida.

Mas o lindo Ford, minha máquina do tempo, como aconteceu inúmeras vezes com o nosso velho Fordão da adolescência, falha!

Entro em desespero…

– Meu Deus, e agora?

– Será que acabou o combustível?

– Será que vou ficar preso aqui em 1912?

O relógio começa a dar a primeira badalada da meia noite! Faltam 60 segundos!

– Deve ser a velha bomba de gasolina, ela deve estar quente.

– Penso desesperado….

Então me lembro do nosso velho truque, aquele que nós fazíamos para fazer o nosso Fordão pegar, quando a “bendita” bomba de gasolina esquentava e do kit que eu havia preparado.

Corro até o porta-malas, pego a latinha de “Parquetina”, o pano velho, ensopo com a água da garrafa, tudo que preventivamente tinha pêgo na Tipografia, envolvo a bomba com a lata, ela então esfria, eu corro e dou a partida novamente, o motor rateia, rateia, rateia, mas não pega. Eu continuo tentando….

Olho o relógio do painel do carro, comparo com o relógio do Paço e vejo que só faltam alguns segundos para a décima segunda badalada!

Dou na partida novamente, o motor se engasga e rateia mais uma vez …….

Desesperado dou partida pela enésima vez….

E ele finalmente pega! 

Acelero firme e o nosso Ford abre aquele inesquecível ronco novamente.

Enfio o pé até o fundo do acelerador, e ele sai em desabalada carreira, na direção da subida da Estação Ferroviária.

O meu querido e velho Ford 46 ainda rateia várias vezes seguidas, faz uma curva à direita, em cima do antigo bebedouro de cavalos, perto da estação e começa a alçar voo, ainda com uma certa dificuldade.

Enquanto estamos subindo aos poucos e passando raspando sobre o telhado da estação, consigo olhar para o relógio e vê-lo agora marcando exatamente a meia noite. O sino dá então a última das doze badaladas!

Ufaaaaaaaaaa!!!! Entramos sobrevoando os trilhos da velha Sorocabana, a velocidade sobe mais um pouco, a bomba de gasolina parece que esfria de vez e o Ford 46 acelera, entra em regime e atinge em segundos, uma altíssima velocidade.

E zaz! Desaparece nos céus, deixando a São Manuel de 1912 para trás.

Meu coração ainda está apertado, mas me diz que esta será a última viagem no tempo, o último voo, meu último destino.

Mas uma grande dúvida ainda continua a me preocupar e a me deixar angustiado…

– Será que vou conseguir voltar ao futuro? Ao ano de 2019?

error: Reprodução parcial ou completa proibida. Auxilie o jornalismo PROFISSIONAL, compartilhe nosso link através dos botões no final da matéria!

Notícias da nossa Região