RICHETTI: CAPÍTULO X – SILVIO SANTOS VEM AÍ

Compartilhe este conteúdo:

cabeca-ricchetti RICHETTI: CAPÍTULO X - SILVIO SANTOS VEM AÍ

MEU PRIMEIRO LIVRO – PAÇO A PASSO

Depois de um tempo de voo, um pouco mais longo que os anteriores, percebo que o nosso Ford sobrevoa uma grande cidade, com inúmeros prédios e ruas, a perder de vista. Com certeza é uma metrópole!

Reconheço a cidade e vejo que estamos sobrevoando nada menos que a capital de São Paulo, a famosa Sampa, da Av. Ipiranga com São João, eternizada na música de Caetano Veloso.

Cidade-x-Cidade1 RICHETTI: CAPÍTULO X - SILVIO SANTOS VEM AÍ

Logo ele desce e aterrissa em frente a um prédio com a aparência de um teatro, no qual se vê grande movimentação de carros, ônibus, fila de pessoas e uma grande multidão de gente, quase que provocando um certo tumulto.

Olho na placa na entrada do prédio e identifico que estamos bem em frente aos estúdios da TV Tupi, uma das principais emissoras de televisão do Brasil, nessa época.

Desço e indagando algumas pessoas descubro que é o dia do programa “Cidade contra Cidade”, envolvendo São Manuel e Valparaiso, apresentado pelo já famoso apresentador Sílvio Santos. O painel do carro me mostra que estávamos no ano de1969.

Mesmo já acostumado com todas aquelas surpresas das viagens no tempo, fico surpreso, ao olhar para todos aqueles jovens descendo dos ônibus e ver que eu me encontrava misturado aquele grupo.

Logo entramos através de um corredor, meio sujo, cheio de cordas, luminárias e cortinas velhas, que normalmente antecedem a entrada de um palco de estúdio de televisão, onde muito mais gente se amontoava em busca de um lugar para ficar.

Algumas dessas pessoas fumavam, o que deixava o ar do corredor ainda mais carregado, bem difícil até de respirar.

Outros permaneciam sentados em alguns bancos de madeira improvisados, alguns em pé, e mais uma pequena multidão de gente se aglomerava na área externa da TV, uma espécie de pátio aberto, onde se misturavam carros de reportagem, partes estruturais de cenários, enfeites, carreteis de cabos, antenas parabólicas, móveis etc.

Era uma enxurrada de gente, com fantasias, adereços, bandeiras, banners, chapéus, faixas, cartazes e até mesmo pequenos cenários, que faziam parte da apresentação no programa de TV. Sim, isso mesmo, todos ali, inclusive eu e íamos participar de um programa da TV brasileira!

Num dos cantos, meio escuro, ao lado da caixa de fusíveis, se podia ver o nosso garboso diretor da rádio, no seu inseparável terno cinza, bigodinho aparado, cabelo grisalhos, repartidos de lado e penteados para trás e até com um certo exagero de brilhantina.

Logo penso que aquele cabelo devia estar besuntado de “Gumex”, marca que junto com a “Brilhantina” eram os fixadores de cabelos masculinos mais utilizados naqueles tempos.

Por causa dessa elegância toda, pela sua educação e demais características é que o nosso diretor da rádio tinha recebido o apelido de” Lord”. Eu diria que ele era um lorde inglês, em pessoa.

O nosso “Lord” é que faria a apresentação de todos os quadros que iriam ser exibidos no programa. Ele estava incrivelmente agitado, apesar de toda a sua experiência de homem de rádio, e ficava lendo e relendo ansiosamente os textos que tinha em mãos, preparados por um grupo de professoras e coordenadoras.

Essas incríveis mulheres, como verdadeiras “Ghost Writers”, tinham redigido e colocado no papel a descrição detalhada de cada quadro, cada participante, cada pequeno fato, cada detalhe ou pequena história. Eram elas que tinham montado todo o roteiro, para que o nosso experiente e competente radialista fizesse a narração perfeita.

Num outro canto, sentado num pufe meio marrom, todo improvisado, com o assento sujo e puído, um outro amigo, o Beto Salles, segurava preocupado várias apostilas e revistas de atualidades, enquanto pedia a sua jovem e apaixonada namorada que “tomasse” dele as respostas. Toda essa sua preocupação tinha sentido porque ele iria participar do quadro de perguntas e respostas, sobre conhecimentos gerais.

O prédio em que estávamos era o da TV Tupi, a primeira emissora de televisão do Brasil e da América do Sul, jovem emissora que tinha pouco mais de uma década e meia de vida, fundada nos idos de 1950, pelo jornalista Assis Chateaubriand.

A TV Tupi, apesar de precoce no mundo da televisão, já tinha, na sua grade, vários programas de sucesso, e entre eles a TV de Vanguarda que revelou a primeira geração de atores, atrizes e diretores da televisão brasileira.

Tinha também mais alguns outros programas campeões de audiência, como “Alô Doçura”, “Sítio do Pica-Pau Amarelo”, “O Céu é o Limite” e o “Clube dos Artistas”, sem falar no famoso telejornal “Repórter Esso”, o mais importante dos jornais da TV.

A Tupi dos primeiros anos era o grande ícone da TV brasileira e estarmos todos ali naqueles corredores, era para nós, além de muita emoção, uma oportunidade de estar conhecendo os bastidores e participando, pela primeira vez, de um programa de televisão.

Em programas de auditório, quem liderava a audiência era o jovem apresentador Sílvio Santos, cujo programa levava o seu próprio nome: “Programa Sílvio Santos”.

Neste programa havia um quadro que se chamava “Cidade contra Cidade”, uma competição entre cidades e que consistia em que duas cidades apresentavam vários quadros, contando a história, seus usos e costumes e também coisas da atualidade brasileira.

A cada quadro elas competiam uma contra a outra e quem ganhasse aquele quadro ia acumulando pontos, até que no final do programa a cidade que acumulasse mais pontos era declarada a vencedora e ganhava uma ambulância.

Sílvio Santos, nessa época, apesar de já ter uma certa fama, era ainda um funcionário da TV Tupi e não dono de um canal de televisão, como se tornaria no futuro. Seu programa tinha enorme audiência e acredito que até hoje permanece como um dos grandes recordistas de telespectadores da TV brasileira.

No corredor e no pátio, do fundo da emissora, todos nós, os figurantes e participantes, ou melhor, “futuros artistas”, estávamos procurando controlar o nosso nervosismo, ansiedade e expectativa, da entrada em cena.

Tudo isso, depois de uma viagem de mais de seis horas, em ônibus fretados junto à empresa “Auto-ônibus São Manuel”, nome da nossa própria cidade e que pertencia a família Casquel. Estávamos ali completamente exaustos e cansados, porém ansiosos para estrear na TV!

Meses antes, quando foi confirmada a candidatura da nossa cidade e se montou a uma comissão organizadora, que tinha entre elas inclusive a D. Edméia Pegoraro, dedicada professora de educação física, especialista em grandes eventos e desfiles. Essa competente comissão foi aos poucos idealizando e organizando os diversos quadros que fariam parte da apresentação no renomado programa.

Eu e mais alguns amigos, fomos escolhidos para participarmos em um dos quadros que representaria as diversas profissões: engenheiro, médico, economista, professor, militares das três armas, ou seja da Marinha, Exército e Aeronáutica etc.

No meu caso eu deveria me apresentar como um Oficial da Marinha e naquele momento achei muito legal, um charme até essa escolha, mas nem imaginava a dor de cabeça que isso iria me trazer. Já para os meus amigos foi muito fácil arrumar a fantasia das profissões, principalmente as mais tradicionais.

Alguns vestiram uma calça escura, por cima colocaram um blusão das faculdades envolvidas, como engenharia, direito, medicina etc. Outros usaram a capa e beca, que eram de uso comum pelos estudantes nas formaturas da época, e aí tranquilamente, sem muito trabalho, já estavam todos caracterizados.

No caso de três de nós, aqueles que iriam representar os oficiais das três armas, já foi um pouco mais difícil, mesmo assim quem ia representar um oficial do Exército rapidamente se ajeitou com o uniforme de um amigo recém-saído do CPOR, curso de oficial da reserva. O outro que era da Aeronáutica, se virou logo, emprestando o uniforme de um piloto da FAB, cuja família, os Brizolas moravam na nossa cidade.

Assim todos os dois conseguiram resolver o problema da fantasia rapidamente. Mas, e eu? Onde eu iria arrumar um uniforme de oficial da Marinha?

Eu pensava: Estou numa enrascada, moro numa cidade do interior e o mar mais próximo fica a uns 400 km daqui e a nossa bacia fluvial mais perto é constituída por dois pequenos córregos que cortam a cidade!

Acionei vários contatos, perguntei a inúmeras pessoas, mas o tempo foi passando e nada de achar uma alma caridosa que pudesse me ajudar com a farda da Marinha.

No desespero pensei até em aceitar uma sugestão, dada nem sei por quem, de vestir uma sunga, amarrar dois extintores de incêndio nas costas, uma máscara de mergulho e passar por mergulhador, mas aquilo além de ridículo, não seria justo com os dois outros “amigos de armas” que estariam vestidos com a farda completa.

Hoje quando penso que quase aceitei essa ideia idiota, ainda fico roxo de vergonha e me vejo rindo sozinho.

Só sei que lá se foram passando as semanas e quando vi faltavam só 15 dias para o programa e eu não tinha ainda uma solução para a minha farda!

Nossa cidade sempre foi de clima quente e naquele final de semana, em especial, a temperatura beirava os 34º centígrados.

Havia jogo no Estádio Municipal, da segunda divisão, e meu time do coração, a querida rubro negra Associação Atlética Sãomanuelense ia jogar com o time da cidade vizinha, Barra Bonita, onde por sinal jogava um querido primo meu, o Mané Agostinho.

O time da Barra era nosso rival de carteirinha e eu não podia deixar de estar lá torcendo para a minha rubro negra. Assim esqueci um pouco o problema da bendita farda, coloquei o manto sagrado, peguei minha bandeira e junto com vários outros amigos, rumamos para o estádio.

Como éramos torcedores fanáticos, entramos e fomos logo até a entrada do vestiário para ver o nosso time fazer o aquecimento, na pequena quadra, atrás do campo.

Assim que chegamos, vimos o jogador Cardoso, dando uma entrevista. O Cardoso era o nosso centro avante, grandão, preto alto e forte, vindo da várzea de fazendas da região, artilheiro e exímio cabeceador. Ele era aquele cara, que se pode dizer, caracterizava o verdadeiro “caipirão”, embora todos nós ali, fôssemos também caipiras do interior.

Diziam que o Cardoso gostava de tomar umas cachaças, mesmo nos dias dos jogos, e que inclusive não conseguia entrar em campo, sem antes dar uma boa “talagada”.

Mas cachaças à parte, curiosos, chegamos bem perto para ouvir a entrevista e vimos quando o repórter da rádio clube perguntou a ele:

– E aí Cardoso, você que é um grande goleador, acha que vai balançar as redes hoje?

Ele então na maior simplicidade, encheu o peito e respondeu:

– Diga aí pros ‘orvintes’ que ‘se haverei aportunidade não percarei, ponharei quente!’

Saímos rindo da resposta do nosso querido e simplório goleador e fomos nos sentar na geral para acompanhar o jogo.

A Sãomanuelense jogou demais naquele dia e meteu um chocolate no time da Barra Bonita de 3×0 com dois gols do Cardoso. Decididamente nosso goleador tinha “ponhado quente”!

Nosso grupo saiu do “Campo”, como nós chamávamos o Estádio Municipal e voltando para casa, paramos no bar Colonial, bem defronte ao jardim da cidade, para tomarmos aquela “gelada” e comemorarmos a vitória.

No coreto do jardim, a nossa “furiosa”, nome carinhoso que dávamos a nossa banda de música, já fazia o concerto musical, como de hábito, todos os domingos à noite, a partir das 19 horas.

Era tradição que as famílias levassem suas crianças para “pular a banda”, ou seja, dançar em volta do coreto e naquele domingo não era diferente, o coreto estava repleto de famílias e suas crianças.

Essa tradição era muito legal porque fazia parte de cada um de nós e era passada de pai para filho, de geração em geração.

Estava então eu ali, com os amigos, sentado no banco do jardim bem em frente ao bar Colonial, levando meu copo de cerveja à boca, quando a furiosa começou a tocar um tradicional dobrado, que ativou minha memória, de modo que me virei, incontinente, na direção do coreto, para ouvir aquele dobrado com mais atenção.

Foi quando reparei no uniforme da nossa banda. Eles usavam na época um uniforme todo branco, botões dourados e um quepe também branco, com o logotipo da lira representativo da música, muito similar com as fotos de uniforme de gala da Marinha, que eu já tinha visto. Naquele momento, num estalo, vi a solução dos meus problemas:

O uniforme da banda! 

Imediatamente sai correndo, gritando Eureka! Eureka! Eureka! Eu parecia o próprio Arquimedes de Siracusa, gritando, quando conseguiu criar um dos seus inventos. Finalmente eu tinha encontrado a minha “alavanca” de Arquimedes ou melhor parafraseando, eu tinha alavancado a solução para a minha fantasia.

Meus amigos obviamente, até que eu explicasse depois o que tinha se passado, não entenderam absolutamente nada e concluíram naquele momento que teriam que me incluir no rol dos loucos da cidade, que por sinal, eram muitos.

No dia seguinte eu consegui descolar o bendito uniforme da banda, arrumei emprestado um par de sapatos brancos, com a mãe de um amigo e depois de substituir o logo da lira por um dos escoteiros, que eu tinha em casa, e que se parecia um pouco mais com o da Marinha, pronto, lá estava eu “vestido” de um garboso Oficial da Marinha!

Este era um segredo que poucos sabiam, bem, pelo menos até agora….

Antes do dia marcado para o programa na TV Tupi, fizemos inúmeros ensaios prévios na nossa escola e depois no ginásio de esportes, para que no dia, tudo saísse nos trinques, na tão desejada aparição televisiva.

No geral, o objetivo era fazermos uma apresentação extremamente rica e diversificada, iniciando com a participação de várias personalidades da nossa terra.

Essa lista incluía, desde a nossa famosa dupla caipira Tonico e Tinoco, atletas de várias modalidades como o nosso poli atleta Arnaldo Santalucia, o boxeador e campeão Miguel de Oliveira, o Tales Flamínio, jogador do Corinthians, artistas de rádio, teatro e TV como Otávio Augusto, personalidades da política e até o próprio Governador do Estado, da época, Laudo Natel, que também era nosso conterrâneo.

Tínhamos que mostrar a diversidade da nossa cultura, das profissões e das várias riquezas da cidade e junto com os demais quadros participativos e disputas, fazermos mais pontos e ganhar o prêmio, uma ambulância para a cidade, que era no fundo o grande objetivo de todos nós.

Assim, nos diversos quadros previstos havia pessoas caracterizadas desde os antigos fundadores do município, passando pela rainha da cidade, suas princesas, o rei momo e a rainha do carnaval, até as lindas garotas que se apresentavam com os vários tipos de roupas, mostrando a evolução da vestimenta da mulher na sociedade, os estados da federação e as estações do ano.

Em um outro quadro havia várias meninas pintoras representando as artes, outras como catadoras de café, mostravam a importância da cultura do café na nossa economia, e como nosso principal produto agrícola.

A ideia de visão de futuro também se fazia representar através de meninas vestidas com roupas espaciais, além da imagem de pureza das nossas crianças através das lúdicas historinhas, representando fábulas e contos infantis. E não podemos esquecer que lá nesse meio, estávamos também nós, eu e meus amigos representando as profissões, com as forças armadas.

Havia muitos outros quadros e alguns mais participativos do tipo competição, como o quadro do futebol, onde craques das duas cidades cobravam pênaltis alternadamente e o quadro “responda ou passe”, onde dois participantes disputavam entre si, para ver quem acertava mais as perguntas apresentadas.

Eu adorava participar de todos os ensaios e dessa preparação, principalmente porque podia assistir várias vezes as nossas lindas meninas desfilarem.

O que mais gostava de ver era quando elas surgiam, representando a mulher brasileira, vestidas com os mais variados tipos de roupas: longos vestidos, terninhos, bermudas, calças “boca de sino”, maiôs e minissaias etc.

Ver todas aquelas beldades desfilando, bem de perto, era para um jovem adolescente como eu, como se elas estivessem desfilando só para mim, coisas que só podem ocorrer mesmo na cabeça de um jovem de 15 anos e com muita cara de pau.

O fato pitoresco, para mim, daquele último ensaio, com todos vestidos com suas fantasias finais, era justamente o fato de eu estar lá, no meio disso tudo, no meu uniforme da banda da cidade como se fosse o uniforme de um oficial da Marinha do Brasil e ninguém ter se dado conta disso!

Depois de diversos ensaios chegou o dia em que tínhamos que estar lá em São Paulo, na TV Tupi, para o programa ao vivo do Cidade x Cidade, comandado pelo Sílvio Santos.

Lembro que saímos de madrugada e começamos a nossa aventura, a saga de jovens artistas, e eu tinha certeza da vitória, não só porque havíamos ensaiado muito e os nossos quadros eram realmente muito bonitos, mas porque eu havia sonhado na noite anterior de que tínhamos vencido com uma vitória esmagadora!

Nessa nossa estafante viagem até a capital não faltaram problemas, desde as meninas que passaram mal na viagem, até ônibus quebrados, motores superaquecidos e pneus furados, o que contribuiu para as várias paradas obrigatórias, além daquelas necessárias para arredondarmos do achatado traseiro, tomar um cafezinho ou usar o banheiro.

Numa dessas paradas de quebra de um ônibus, diz a lenda que um amigo nosso foi obrigado a se aliviar no matinho e que sem papel higiênico teria se utilizado de algumas folhas do mato, que mais tarde se confirmou serem folhas de urtiga!

A lenda também confirma que este amigo passou o resto da viagem com uma coceira insuportável no traseiro, fazendo com que ele rebolasse mais que passista de escola de samba em dia de desfile, mas isso fica para uma outra história….

Assim é que, depois de todos os ensaios, trabalhos, fantasias e da cansativa viagem, estávamos todos lá, com nossas fantasias, naquele corredor estreito e mal iluminado, cansados, ansiosos, esperando o momento para o programa começar e fazermos a tão esperada performance, o nosso “gran finale”.

E naquele dia, eu estava ali de novo, através daquela viagem no tempo, revivendo a nossa apresentação como um espectador privilegiado de tudo aquilo e de mim mesmo. Isso era demais!

De repente começou uma correria e um alvoroço, várias pessoas do staff da TV se agitando, andando para lá e para cá e nós todos, ali presentes, sem saber de nada do que poderia estar acontecendo, até que alguém gritou:

– Sílvio Santos vem aí!

Ele passou rapidamente entre todos, muito simpático, cumprimentou com seu sorriso inconfundível, entrou no palco, a cortina se abriu, o auditório veio abaixo em palmas e ovação e começou o tão esperado programa.

Vi novamente, graças aquela viagem no tempo, todos entrarem e fazerem aquela primorosa participação, quadro a quadro. A torcida da cidade foi, além de grande, muito qualificada, e todos foram agarrados pelo sucesso e fizeram acontecer!

Mais uma vez o meu sonho tinha se concretizado: Ganhamos de Valparaiso!

Ainda eufórico, por ter presenciado tudo aquilo, desta vez de camarote, como espectador, me assusto quando o Ford sinaliza no painel, a luz vermelha dizendo que era hora de partir.

Olho para trás e ainda vejo a pequena multidão de conterrâneos, os maravilhosos “figurantes” entrando nos diversos ônibus para irem de volta para nossa cidade, enquanto, como uma grande coincidência, o rádio do velho Ford manda ver uma propaganda do ‘Baú da Felicidade’, carro chefe do iniciante empresário Sílvio Santos.

Naquele momento eu percebo que eu tinha estado ali, de novo, naquele dia 28 de agosto de 1969 junto com meus amigos e demais cidadãos da nossa pequena cidade do interior, sem que talvez, nenhum de nós tivesse a mínima noção disso, não só fomos participar de um programa de televisão, mas também, nos tornarmos parte da história da TV brasileira!

As luzes do painel seguem com sua sequência e o nosso Fordão parte veloz, já furando as nuvens do céu escuro e nublado da capital paulista, sem que eu soubesse, qual seria o novo destino ou qual seria o novo tempo e lugar, onde ele iria aterrissar….

RICHETTI: CAPÍTULO X – SILVIO SANTOS VEM AÍ

Compartilhe este conteúdo:

cabeca-ricchetti RICHETTI: CAPÍTULO X - SILVIO SANTOS VEM AÍ

MEU PRIMEIRO LIVRO – PAÇO A PASSO

Depois de um tempo de voo, um pouco mais longo que os anteriores, percebo que o nosso Ford sobrevoa uma grande cidade, com inúmeros prédios e ruas, a perder de vista. Com certeza é uma metrópole!

Reconheço a cidade e vejo que estamos sobrevoando nada menos que a capital de São Paulo, a famosa Sampa, da Av. Ipiranga com São João, eternizada na música de Caetano Veloso.

Cidade-x-Cidade1 RICHETTI: CAPÍTULO X - SILVIO SANTOS VEM AÍ

Logo ele desce e aterrissa em frente a um prédio com a aparência de um teatro, no qual se vê grande movimentação de carros, ônibus, fila de pessoas e uma grande multidão de gente, quase que provocando um certo tumulto.

Olho na placa na entrada do prédio e identifico que estamos bem em frente aos estúdios da TV Tupi, uma das principais emissoras de televisão do Brasil, nessa época.

Desço e indagando algumas pessoas descubro que é o dia do programa “Cidade contra Cidade”, envolvendo São Manuel e Valparaiso, apresentado pelo já famoso apresentador Sílvio Santos. O painel do carro me mostra que estávamos no ano de1969.

Mesmo já acostumado com todas aquelas surpresas das viagens no tempo, fico surpreso, ao olhar para todos aqueles jovens descendo dos ônibus e ver que eu me encontrava misturado aquele grupo.

Logo entramos através de um corredor, meio sujo, cheio de cordas, luminárias e cortinas velhas, que normalmente antecedem a entrada de um palco de estúdio de televisão, onde muito mais gente se amontoava em busca de um lugar para ficar.

Algumas dessas pessoas fumavam, o que deixava o ar do corredor ainda mais carregado, bem difícil até de respirar.

Outros permaneciam sentados em alguns bancos de madeira improvisados, alguns em pé, e mais uma pequena multidão de gente se aglomerava na área externa da TV, uma espécie de pátio aberto, onde se misturavam carros de reportagem, partes estruturais de cenários, enfeites, carreteis de cabos, antenas parabólicas, móveis etc.

Era uma enxurrada de gente, com fantasias, adereços, bandeiras, banners, chapéus, faixas, cartazes e até mesmo pequenos cenários, que faziam parte da apresentação no programa de TV. Sim, isso mesmo, todos ali, inclusive eu e íamos participar de um programa da TV brasileira!

Num dos cantos, meio escuro, ao lado da caixa de fusíveis, se podia ver o nosso garboso diretor da rádio, no seu inseparável terno cinza, bigodinho aparado, cabelo grisalhos, repartidos de lado e penteados para trás e até com um certo exagero de brilhantina.

Logo penso que aquele cabelo devia estar besuntado de “Gumex”, marca que junto com a “Brilhantina” eram os fixadores de cabelos masculinos mais utilizados naqueles tempos.

Por causa dessa elegância toda, pela sua educação e demais características é que o nosso diretor da rádio tinha recebido o apelido de” Lord”. Eu diria que ele era um lorde inglês, em pessoa.

O nosso “Lord” é que faria a apresentação de todos os quadros que iriam ser exibidos no programa. Ele estava incrivelmente agitado, apesar de toda a sua experiência de homem de rádio, e ficava lendo e relendo ansiosamente os textos que tinha em mãos, preparados por um grupo de professoras e coordenadoras.

Essas incríveis mulheres, como verdadeiras “Ghost Writers”, tinham redigido e colocado no papel a descrição detalhada de cada quadro, cada participante, cada pequeno fato, cada detalhe ou pequena história. Eram elas que tinham montado todo o roteiro, para que o nosso experiente e competente radialista fizesse a narração perfeita.

Num outro canto, sentado num pufe meio marrom, todo improvisado, com o assento sujo e puído, um outro amigo, o Beto Salles, segurava preocupado várias apostilas e revistas de atualidades, enquanto pedia a sua jovem e apaixonada namorada que “tomasse” dele as respostas. Toda essa sua preocupação tinha sentido porque ele iria participar do quadro de perguntas e respostas, sobre conhecimentos gerais.

O prédio em que estávamos era o da TV Tupi, a primeira emissora de televisão do Brasil e da América do Sul, jovem emissora que tinha pouco mais de uma década e meia de vida, fundada nos idos de 1950, pelo jornalista Assis Chateaubriand.

A TV Tupi, apesar de precoce no mundo da televisão, já tinha, na sua grade, vários programas de sucesso, e entre eles a TV de Vanguarda que revelou a primeira geração de atores, atrizes e diretores da televisão brasileira.

Tinha também mais alguns outros programas campeões de audiência, como “Alô Doçura”, “Sítio do Pica-Pau Amarelo”, “O Céu é o Limite” e o “Clube dos Artistas”, sem falar no famoso telejornal “Repórter Esso”, o mais importante dos jornais da TV.

A Tupi dos primeiros anos era o grande ícone da TV brasileira e estarmos todos ali naqueles corredores, era para nós, além de muita emoção, uma oportunidade de estar conhecendo os bastidores e participando, pela primeira vez, de um programa de televisão.

Em programas de auditório, quem liderava a audiência era o jovem apresentador Sílvio Santos, cujo programa levava o seu próprio nome: “Programa Sílvio Santos”.

Neste programa havia um quadro que se chamava “Cidade contra Cidade”, uma competição entre cidades e que consistia em que duas cidades apresentavam vários quadros, contando a história, seus usos e costumes e também coisas da atualidade brasileira.

A cada quadro elas competiam uma contra a outra e quem ganhasse aquele quadro ia acumulando pontos, até que no final do programa a cidade que acumulasse mais pontos era declarada a vencedora e ganhava uma ambulância.

Sílvio Santos, nessa época, apesar de já ter uma certa fama, era ainda um funcionário da TV Tupi e não dono de um canal de televisão, como se tornaria no futuro. Seu programa tinha enorme audiência e acredito que até hoje permanece como um dos grandes recordistas de telespectadores da TV brasileira.

No corredor e no pátio, do fundo da emissora, todos nós, os figurantes e participantes, ou melhor, “futuros artistas”, estávamos procurando controlar o nosso nervosismo, ansiedade e expectativa, da entrada em cena.

Tudo isso, depois de uma viagem de mais de seis horas, em ônibus fretados junto à empresa “Auto-ônibus São Manuel”, nome da nossa própria cidade e que pertencia a família Casquel. Estávamos ali completamente exaustos e cansados, porém ansiosos para estrear na TV!

Meses antes, quando foi confirmada a candidatura da nossa cidade e se montou a uma comissão organizadora, que tinha entre elas inclusive a D. Edméia Pegoraro, dedicada professora de educação física, especialista em grandes eventos e desfiles. Essa competente comissão foi aos poucos idealizando e organizando os diversos quadros que fariam parte da apresentação no renomado programa.

Eu e mais alguns amigos, fomos escolhidos para participarmos em um dos quadros que representaria as diversas profissões: engenheiro, médico, economista, professor, militares das três armas, ou seja da Marinha, Exército e Aeronáutica etc.

No meu caso eu deveria me apresentar como um Oficial da Marinha e naquele momento achei muito legal, um charme até essa escolha, mas nem imaginava a dor de cabeça que isso iria me trazer. Já para os meus amigos foi muito fácil arrumar a fantasia das profissões, principalmente as mais tradicionais.

Alguns vestiram uma calça escura, por cima colocaram um blusão das faculdades envolvidas, como engenharia, direito, medicina etc. Outros usaram a capa e beca, que eram de uso comum pelos estudantes nas formaturas da época, e aí tranquilamente, sem muito trabalho, já estavam todos caracterizados.

No caso de três de nós, aqueles que iriam representar os oficiais das três armas, já foi um pouco mais difícil, mesmo assim quem ia representar um oficial do Exército rapidamente se ajeitou com o uniforme de um amigo recém-saído do CPOR, curso de oficial da reserva. O outro que era da Aeronáutica, se virou logo, emprestando o uniforme de um piloto da FAB, cuja família, os Brizolas moravam na nossa cidade.

Assim todos os dois conseguiram resolver o problema da fantasia rapidamente. Mas, e eu? Onde eu iria arrumar um uniforme de oficial da Marinha?

Eu pensava: Estou numa enrascada, moro numa cidade do interior e o mar mais próximo fica a uns 400 km daqui e a nossa bacia fluvial mais perto é constituída por dois pequenos córregos que cortam a cidade!

Acionei vários contatos, perguntei a inúmeras pessoas, mas o tempo foi passando e nada de achar uma alma caridosa que pudesse me ajudar com a farda da Marinha.

No desespero pensei até em aceitar uma sugestão, dada nem sei por quem, de vestir uma sunga, amarrar dois extintores de incêndio nas costas, uma máscara de mergulho e passar por mergulhador, mas aquilo além de ridículo, não seria justo com os dois outros “amigos de armas” que estariam vestidos com a farda completa.

Hoje quando penso que quase aceitei essa ideia idiota, ainda fico roxo de vergonha e me vejo rindo sozinho.

Só sei que lá se foram passando as semanas e quando vi faltavam só 15 dias para o programa e eu não tinha ainda uma solução para a minha farda!

Nossa cidade sempre foi de clima quente e naquele final de semana, em especial, a temperatura beirava os 34º centígrados.

Havia jogo no Estádio Municipal, da segunda divisão, e meu time do coração, a querida rubro negra Associação Atlética Sãomanuelense ia jogar com o time da cidade vizinha, Barra Bonita, onde por sinal jogava um querido primo meu, o Mané Agostinho.

O time da Barra era nosso rival de carteirinha e eu não podia deixar de estar lá torcendo para a minha rubro negra. Assim esqueci um pouco o problema da bendita farda, coloquei o manto sagrado, peguei minha bandeira e junto com vários outros amigos, rumamos para o estádio.

Como éramos torcedores fanáticos, entramos e fomos logo até a entrada do vestiário para ver o nosso time fazer o aquecimento, na pequena quadra, atrás do campo.

Assim que chegamos, vimos o jogador Cardoso, dando uma entrevista. O Cardoso era o nosso centro avante, grandão, preto alto e forte, vindo da várzea de fazendas da região, artilheiro e exímio cabeceador. Ele era aquele cara, que se pode dizer, caracterizava o verdadeiro “caipirão”, embora todos nós ali, fôssemos também caipiras do interior.

Diziam que o Cardoso gostava de tomar umas cachaças, mesmo nos dias dos jogos, e que inclusive não conseguia entrar em campo, sem antes dar uma boa “talagada”.

Mas cachaças à parte, curiosos, chegamos bem perto para ouvir a entrevista e vimos quando o repórter da rádio clube perguntou a ele:

– E aí Cardoso, você que é um grande goleador, acha que vai balançar as redes hoje?

Ele então na maior simplicidade, encheu o peito e respondeu:

– Diga aí pros ‘orvintes’ que ‘se haverei aportunidade não percarei, ponharei quente!’

Saímos rindo da resposta do nosso querido e simplório goleador e fomos nos sentar na geral para acompanhar o jogo.

A Sãomanuelense jogou demais naquele dia e meteu um chocolate no time da Barra Bonita de 3×0 com dois gols do Cardoso. Decididamente nosso goleador tinha “ponhado quente”!

Nosso grupo saiu do “Campo”, como nós chamávamos o Estádio Municipal e voltando para casa, paramos no bar Colonial, bem defronte ao jardim da cidade, para tomarmos aquela “gelada” e comemorarmos a vitória.

No coreto do jardim, a nossa “furiosa”, nome carinhoso que dávamos a nossa banda de música, já fazia o concerto musical, como de hábito, todos os domingos à noite, a partir das 19 horas.

Era tradição que as famílias levassem suas crianças para “pular a banda”, ou seja, dançar em volta do coreto e naquele domingo não era diferente, o coreto estava repleto de famílias e suas crianças.

Essa tradição era muito legal porque fazia parte de cada um de nós e era passada de pai para filho, de geração em geração.

Estava então eu ali, com os amigos, sentado no banco do jardim bem em frente ao bar Colonial, levando meu copo de cerveja à boca, quando a furiosa começou a tocar um tradicional dobrado, que ativou minha memória, de modo que me virei, incontinente, na direção do coreto, para ouvir aquele dobrado com mais atenção.

Foi quando reparei no uniforme da nossa banda. Eles usavam na época um uniforme todo branco, botões dourados e um quepe também branco, com o logotipo da lira representativo da música, muito similar com as fotos de uniforme de gala da Marinha, que eu já tinha visto. Naquele momento, num estalo, vi a solução dos meus problemas:

O uniforme da banda! 

Imediatamente sai correndo, gritando Eureka! Eureka! Eureka! Eu parecia o próprio Arquimedes de Siracusa, gritando, quando conseguiu criar um dos seus inventos. Finalmente eu tinha encontrado a minha “alavanca” de Arquimedes ou melhor parafraseando, eu tinha alavancado a solução para a minha fantasia.

Meus amigos obviamente, até que eu explicasse depois o que tinha se passado, não entenderam absolutamente nada e concluíram naquele momento que teriam que me incluir no rol dos loucos da cidade, que por sinal, eram muitos.

No dia seguinte eu consegui descolar o bendito uniforme da banda, arrumei emprestado um par de sapatos brancos, com a mãe de um amigo e depois de substituir o logo da lira por um dos escoteiros, que eu tinha em casa, e que se parecia um pouco mais com o da Marinha, pronto, lá estava eu “vestido” de um garboso Oficial da Marinha!

Este era um segredo que poucos sabiam, bem, pelo menos até agora….

Antes do dia marcado para o programa na TV Tupi, fizemos inúmeros ensaios prévios na nossa escola e depois no ginásio de esportes, para que no dia, tudo saísse nos trinques, na tão desejada aparição televisiva.

No geral, o objetivo era fazermos uma apresentação extremamente rica e diversificada, iniciando com a participação de várias personalidades da nossa terra.

Essa lista incluía, desde a nossa famosa dupla caipira Tonico e Tinoco, atletas de várias modalidades como o nosso poli atleta Arnaldo Santalucia, o boxeador e campeão Miguel de Oliveira, o Tales Flamínio, jogador do Corinthians, artistas de rádio, teatro e TV como Otávio Augusto, personalidades da política e até o próprio Governador do Estado, da época, Laudo Natel, que também era nosso conterrâneo.

Tínhamos que mostrar a diversidade da nossa cultura, das profissões e das várias riquezas da cidade e junto com os demais quadros participativos e disputas, fazermos mais pontos e ganhar o prêmio, uma ambulância para a cidade, que era no fundo o grande objetivo de todos nós.

Assim, nos diversos quadros previstos havia pessoas caracterizadas desde os antigos fundadores do município, passando pela rainha da cidade, suas princesas, o rei momo e a rainha do carnaval, até as lindas garotas que se apresentavam com os vários tipos de roupas, mostrando a evolução da vestimenta da mulher na sociedade, os estados da federação e as estações do ano.

Em um outro quadro havia várias meninas pintoras representando as artes, outras como catadoras de café, mostravam a importância da cultura do café na nossa economia, e como nosso principal produto agrícola.

A ideia de visão de futuro também se fazia representar através de meninas vestidas com roupas espaciais, além da imagem de pureza das nossas crianças através das lúdicas historinhas, representando fábulas e contos infantis. E não podemos esquecer que lá nesse meio, estávamos também nós, eu e meus amigos representando as profissões, com as forças armadas.

Havia muitos outros quadros e alguns mais participativos do tipo competição, como o quadro do futebol, onde craques das duas cidades cobravam pênaltis alternadamente e o quadro “responda ou passe”, onde dois participantes disputavam entre si, para ver quem acertava mais as perguntas apresentadas.

Eu adorava participar de todos os ensaios e dessa preparação, principalmente porque podia assistir várias vezes as nossas lindas meninas desfilarem.

O que mais gostava de ver era quando elas surgiam, representando a mulher brasileira, vestidas com os mais variados tipos de roupas: longos vestidos, terninhos, bermudas, calças “boca de sino”, maiôs e minissaias etc.

Ver todas aquelas beldades desfilando, bem de perto, era para um jovem adolescente como eu, como se elas estivessem desfilando só para mim, coisas que só podem ocorrer mesmo na cabeça de um jovem de 15 anos e com muita cara de pau.

O fato pitoresco, para mim, daquele último ensaio, com todos vestidos com suas fantasias finais, era justamente o fato de eu estar lá, no meio disso tudo, no meu uniforme da banda da cidade como se fosse o uniforme de um oficial da Marinha do Brasil e ninguém ter se dado conta disso!

Depois de diversos ensaios chegou o dia em que tínhamos que estar lá em São Paulo, na TV Tupi, para o programa ao vivo do Cidade x Cidade, comandado pelo Sílvio Santos.

Lembro que saímos de madrugada e começamos a nossa aventura, a saga de jovens artistas, e eu tinha certeza da vitória, não só porque havíamos ensaiado muito e os nossos quadros eram realmente muito bonitos, mas porque eu havia sonhado na noite anterior de que tínhamos vencido com uma vitória esmagadora!

Nessa nossa estafante viagem até a capital não faltaram problemas, desde as meninas que passaram mal na viagem, até ônibus quebrados, motores superaquecidos e pneus furados, o que contribuiu para as várias paradas obrigatórias, além daquelas necessárias para arredondarmos do achatado traseiro, tomar um cafezinho ou usar o banheiro.

Numa dessas paradas de quebra de um ônibus, diz a lenda que um amigo nosso foi obrigado a se aliviar no matinho e que sem papel higiênico teria se utilizado de algumas folhas do mato, que mais tarde se confirmou serem folhas de urtiga!

A lenda também confirma que este amigo passou o resto da viagem com uma coceira insuportável no traseiro, fazendo com que ele rebolasse mais que passista de escola de samba em dia de desfile, mas isso fica para uma outra história….

Assim é que, depois de todos os ensaios, trabalhos, fantasias e da cansativa viagem, estávamos todos lá, com nossas fantasias, naquele corredor estreito e mal iluminado, cansados, ansiosos, esperando o momento para o programa começar e fazermos a tão esperada performance, o nosso “gran finale”.

E naquele dia, eu estava ali de novo, através daquela viagem no tempo, revivendo a nossa apresentação como um espectador privilegiado de tudo aquilo e de mim mesmo. Isso era demais!

De repente começou uma correria e um alvoroço, várias pessoas do staff da TV se agitando, andando para lá e para cá e nós todos, ali presentes, sem saber de nada do que poderia estar acontecendo, até que alguém gritou:

– Sílvio Santos vem aí!

Ele passou rapidamente entre todos, muito simpático, cumprimentou com seu sorriso inconfundível, entrou no palco, a cortina se abriu, o auditório veio abaixo em palmas e ovação e começou o tão esperado programa.

Vi novamente, graças aquela viagem no tempo, todos entrarem e fazerem aquela primorosa participação, quadro a quadro. A torcida da cidade foi, além de grande, muito qualificada, e todos foram agarrados pelo sucesso e fizeram acontecer!

Mais uma vez o meu sonho tinha se concretizado: Ganhamos de Valparaiso!

Ainda eufórico, por ter presenciado tudo aquilo, desta vez de camarote, como espectador, me assusto quando o Ford sinaliza no painel, a luz vermelha dizendo que era hora de partir.

Olho para trás e ainda vejo a pequena multidão de conterrâneos, os maravilhosos “figurantes” entrando nos diversos ônibus para irem de volta para nossa cidade, enquanto, como uma grande coincidência, o rádio do velho Ford manda ver uma propaganda do ‘Baú da Felicidade’, carro chefe do iniciante empresário Sílvio Santos.

Naquele momento eu percebo que eu tinha estado ali, de novo, naquele dia 28 de agosto de 1969 junto com meus amigos e demais cidadãos da nossa pequena cidade do interior, sem que talvez, nenhum de nós tivesse a mínima noção disso, não só fomos participar de um programa de televisão, mas também, nos tornarmos parte da história da TV brasileira!

As luzes do painel seguem com sua sequência e o nosso Fordão parte veloz, já furando as nuvens do céu escuro e nublado da capital paulista, sem que eu soubesse, qual seria o novo destino ou qual seria o novo tempo e lugar, onde ele iria aterrissar….

error: Reprodução parcial ou completa proibida. Auxilie o jornalismo PROFISSIONAL, compartilhe nosso link através dos botões no final da matéria!

Notícias da nossa Região