(texto criado e escrito por José Luiz Ricchetti) – Foto extraída do site ‘Viajando do tempo real’
Não sei se todo mundo hoje sabe o que é jogar bafo. Então vou começar colando aqui a definição encontrada no wikipédia:
“O jogo do bafo é um jogo recreativo muito comum entre os colecionadores de figurinhas. Sua denominação deve-se ao fato do deslocamento de ar provocado pelo impacto da mão no momento da batida sobre uma área plana em que se encontram depositados cromos empilhados um em cima do outro.”
Complementando essa descrição eu diria que no jogo de bafo cada um dos meninos participantes coloca suas figurinhas formando um monte só, joga ‘par ou ímpar’ e aquele que ganha começa a bater o bafo em cima do único monte formado pelos dois jogadores. Então todas as figurinhas que virarem de lado ficam com quem bateu bafo em cima delas…
Isso era o que fazíamos, todos nós da geração dos anos 60, quando era lançado um novo álbum de figurinhas. O maior prazer era poder ir comprando aos poucos cada maço de figurinhas e ir preenchendo passo a passo ou melhor maço a maço o nosso álbum.
Tinha também as famosas figurinhas carimbadas e era uma alegria ímpar, um momento especial, poder abrir o pacotinho e ver que ali dentro tinha uma dessas figurinhas únicas, a tal ‘figurinha carimbada’ que obviamente era muito mais difícil que qualquer outra de se conseguir.
Depois desse fantástico ritual era hora de sair pelo bairro buscando os amigos para trocar aquelas figurinhas repetidas por outras ou então pegar aquela nossa figurinha carimbada e trocar por um monte de outras e claro não deixar de jogar bafo com cada um dos amigos.
Encher um álbum de figurinhas era apenas um detalhe, o que mais nos dava prazer era poder curtir cada um desses momentos desde o ir até a banca, comprar um pacote de figurinha, abrir e aí conferir cada uma delas, colar as que faltavam no álbum e sair por aí para trocar e jogar o bafo.
O nosso prazer maior não estava no ato de encher um álbum, estava sim em curtir cada momento anterior a isso, cada pacote, cada figurinha, cada jogo de bafo…
Hoje, infelizmente, vemos gente que se orgulha de ter preenchido o álbum da copa em menos de 24 horas. Para quê? Qual o sentido disso?
Por que um pai sai de casa e leva o filho para a banca para comprar R$ 400 ou R$ 500 reais de figurinhas para que o álbum seja preenchido o mais rápido possível se o gostoso é o ritual de colecionar maço a maço, ver aquelas que faltam, as carimbadas, trocar, jogar bafo?
Acho que o problema de hoje é que estamos criando uma geração de imediatistas. Diariamente milhares de dados e informações nos são geradas a cada segundo e acho que isso é que faz com que nossas crianças não queiram mais esperar para preencher um álbum, querem fazer tudo aqui e agora.
Não creio que seja muito bom para as crianças esses pais que alimentam esse imediatismo. Será que não estamos ajudando a formar crianças que ao menor empecilho ou dificuldade ficarão frustradas? Não estamos criando futuros paranoicos do imediatismo?
Será que não estamos fomentando, o que podemos chamar de “a síndrome do vazio de um álbum completo”? Será que não estamos tirando de nossas crianças o prazer de apreciar cada momento, cada emoção, cada segundo do ato de colecionar, de trocar, de jogar um bafo?
Estamos vivendo a ejaculação precoce do preencher álbuns e não fomentando o prazer nas nossas crianças de colecionar figurinhas, de trocar as repetidas, de jogar um bafo…
Quem não se recorda destes diálogos gostosos?
– Você tem alguma carimbada?
– Você tem o Mané Garrincha do Botafogo?
– Quantas faltam pra você completar?
– Você viu o Pedrinho ele tirou a carimbada do Pelé?
– Puxa, você viu o Paulinho? Ele ganhou um monte no bafo!
Não estamos deixando que as crianças vivam o momento raro de terminar um álbum só depois de muito tempo, de aproveitar a ausência daquela figurinha carimbada, de vê-la ela surgir de dentro de um pacotinho recém-aberto.
Estamos incentivando que tudo deixe de ter o seu real valor, que tudo deixe de ter o seu tempo necessário, pois tudo nesta vida tem um tempo certo. Até as nossas flores têm o tempo certo de germinar, de crescer e de florir.
Parafraseando a linda música de Almir Sater e Renato Teixeira
É preciso amor
Pra poder pulsar
É preciso paz pra poder sorrir
É preciso tempo para poder curtir
José Luiz Ricchetti – 20/09/2022