CRÔNICA: EU VENHO DE UMA CIDADE

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cabeca-ricchetti CRÔNICA: EU VENHO DE UMA CIDADE

(Crônica criada e escrita por José Luiz Ricchetti) 

Eu venho de uma cidade, onde o bem é maioria. De onde o café já foi rei e as fazendas se estendiam como tapetes verdejantes. De onde a maldade daninha sempre desidrata sem renascer, mas onde as mudanças do tempo trouxeram novos desafios. 

Minha querida cidade natal, São Manuel, outrora abraçada pelo aroma do café, hoje busca se redefinir entre as fileiras de cana. As colinas que uma vez testemunharam a riqueza das plantações agora assistem à luta da cidade para se adaptar à nova realidade.

Eu venho de uma cidade, onde o sol ainda brilha, mesmo em dias nublados e a chuva sempre vem abençoada por todos, porque é necessária para a plantação. Hoje, a cana, embora ainda traga prosperidade, não pode ser a única bênção que a natureza nos oferece. O ritmo acelerado das suas plantações e a busca por altos resultados muitas vezes obscurecem a beleza sutil que ainda pode ser encontrada nas paisagens rurais que resistem ao avanço desse progresso.

Screenshot_20230821_062843_Files-by-Google-1024x656 CRÔNICA: EU VENHO DE UMA CIDADE

Eu venho de uma cidade, onde sempre tem uma casinha, nem que seja de teto de zinco, que nos protege do vento e das tempestades e onde no fogão a lenha se faz o café de bule e o bolo de fubá. As velhas fazendas com suas colônias faziam parte do coração da cidade e era o porto seguro para aqueles que trabalhavam a terra. Mas à medida que os colonos se mudaram para a cidade em busca de novas oportunidades, o vínculo com a terra se enfraqueceu. 

Hoje, nas ruas da cidade, o abrigo muitas vezes é buscado, pelas novas gerações, nas interações digitais e nas distrações urbanas. Os filhos se esqueceram da roda da viola, do cigarro de palha, dos causos a beira da fogueira e a simplicidade do homem do campo.

Eu venho de uma cidade que ainda tem cheiro de terra quando chove, água de rio no fundo do vale e canto de pássaros no amanhecer de todos os dias. As suas trilhas que antes levavam aos cafezais agora podem ser caminhos esquecidos, cobertos de limo confundido talvez com o ritmo acelerado da vida moderna. O som dos pássaros que uma vez embalou os nossos colonos agora compete com o barulho das máquinas, carros e motos que povoam as nossas ruas.

Eu venho de uma cidade em que sempre se dividiu o pão, se dividiu a dor e se multiplicou o amor. Onde as casas coloniais eram testemunhas da união da comunidade. Hoje, nas casas da cidade, o amor ainda existe, mas a divisão da dor muitas vezes passa despercebida em meio à agitação diária. A simplicidade das soluções compartilhadas muitas vezes é substituída por buscas individuais por sucesso e realização. Através dos nossos janelões, deixamos de visualizar o verde dos cafezais e a luz azul dos nossos céus.

Eu venho de uma cidade onde mesmo quem parte fica eternamente, porque a gente ama mesmo onde mora o coração e onde restam bem guardadas as boas lembranças e experiências. O espírito das fazendas e dos colonos que nelas viveram pode ecoar nas histórias passadas de geração em geração. Mas a pressa da vida moderna pode fazer com que essas lembranças se desvaneçam, a menos que sejam ativamente cultivadas e transmitidas.

Eu venho de uma cidade onde criança era inocente e os mais velhos exemplos de respeito e sabedoria e ninguém tinha vergonha de dizer ‘Bença Vó’. A tradição de respeito pelas diferentes idades é hoje uma herança que ainda pode inspirar as gerações futuras, quem sabe… No entanto, a modernização muitas vezes coloca as gerações umas contra as outras, ao invés de reconhecer a importância de cada período de uma vida.

Eu venho de um lugar onde ter irmãos é sempre uma benção e ter velhos amigos é saber dar o valor devido a estar dentro de um abraço apertado, mesmo que isso só aconteça de tempos em tempos. As amizades e conexões entre os colonos eram fundamentais para a sobrevivência e apoio mútuo. Hoje, a cidade ainda mantém uma comunidade calorosa, mas a crescente individualização pode dificultar a formação de laços profundos.

Venho de uma cidade onde todos nos acolhem e sempre há um lugarzinho para se aconchegar como coração de mãe. As fazendas eram os lares que acolhiam gerações. Hoje, as casas podem ser um porto seguro, mas a velocidade das mudanças muitas vezes dificulta a criação de um senso de pertencimento duradouro.

Eu venho de uma cidade onde sempre tem uma lua para iluminar nossas noites escuras. Venho de uma cidade que ainda tem sua própria luz, tem história e ainda tem esperança. Mas o desafio está em manter essa luz brilhante em meio à pressa e às demandas do mundo contemporâneo.

Hoje percebo que mesmo enquanto a cidade de onde eu venho se transformou totalmente, ainda vejo belezas a serem reencontradas nas relações, na natureza e na sua história, que ajudou moldar de tudo em mim. 

Hoje continuo como o pescador teimoso e otimista que, mesmo nos dias de ‘dar em banho em minhoca’, ainda acha que vai pescar no final da tarde aquele peixão de três quilos. 

Procuro as coisas boas, e como o pescador, ainda acredito na salvação que virá no fim do dia. Busco olhar e ver maravilhas onde cresce o mato. Teimo em abrir folha por folha e olhar no interior da flor para descobrir a magia do botão que ainda teima em renascer em meio ao caos e se transformar novamente na essência única para recriar um lindo jardim florido, nessa cidade de onde eu venho…

José Luiz Ricchetti – 19/08/23

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cabeca-ricchetti CRÔNICA: EU VENHO DE UMA CIDADE

(Crônica criada e escrita por José Luiz Ricchetti) 

Eu venho de uma cidade, onde o bem é maioria. De onde o café já foi rei e as fazendas se estendiam como tapetes verdejantes. De onde a maldade daninha sempre desidrata sem renascer, mas onde as mudanças do tempo trouxeram novos desafios. 

Minha querida cidade natal, São Manuel, outrora abraçada pelo aroma do café, hoje busca se redefinir entre as fileiras de cana. As colinas que uma vez testemunharam a riqueza das plantações agora assistem à luta da cidade para se adaptar à nova realidade.

Eu venho de uma cidade, onde o sol ainda brilha, mesmo em dias nublados e a chuva sempre vem abençoada por todos, porque é necessária para a plantação. Hoje, a cana, embora ainda traga prosperidade, não pode ser a única bênção que a natureza nos oferece. O ritmo acelerado das suas plantações e a busca por altos resultados muitas vezes obscurecem a beleza sutil que ainda pode ser encontrada nas paisagens rurais que resistem ao avanço desse progresso.

Screenshot_20230821_062843_Files-by-Google-1024x656 CRÔNICA: EU VENHO DE UMA CIDADE

Eu venho de uma cidade, onde sempre tem uma casinha, nem que seja de teto de zinco, que nos protege do vento e das tempestades e onde no fogão a lenha se faz o café de bule e o bolo de fubá. As velhas fazendas com suas colônias faziam parte do coração da cidade e era o porto seguro para aqueles que trabalhavam a terra. Mas à medida que os colonos se mudaram para a cidade em busca de novas oportunidades, o vínculo com a terra se enfraqueceu. 

Hoje, nas ruas da cidade, o abrigo muitas vezes é buscado, pelas novas gerações, nas interações digitais e nas distrações urbanas. Os filhos se esqueceram da roda da viola, do cigarro de palha, dos causos a beira da fogueira e a simplicidade do homem do campo.

Eu venho de uma cidade que ainda tem cheiro de terra quando chove, água de rio no fundo do vale e canto de pássaros no amanhecer de todos os dias. As suas trilhas que antes levavam aos cafezais agora podem ser caminhos esquecidos, cobertos de limo confundido talvez com o ritmo acelerado da vida moderna. O som dos pássaros que uma vez embalou os nossos colonos agora compete com o barulho das máquinas, carros e motos que povoam as nossas ruas.

Eu venho de uma cidade em que sempre se dividiu o pão, se dividiu a dor e se multiplicou o amor. Onde as casas coloniais eram testemunhas da união da comunidade. Hoje, nas casas da cidade, o amor ainda existe, mas a divisão da dor muitas vezes passa despercebida em meio à agitação diária. A simplicidade das soluções compartilhadas muitas vezes é substituída por buscas individuais por sucesso e realização. Através dos nossos janelões, deixamos de visualizar o verde dos cafezais e a luz azul dos nossos céus.

Eu venho de uma cidade onde mesmo quem parte fica eternamente, porque a gente ama mesmo onde mora o coração e onde restam bem guardadas as boas lembranças e experiências. O espírito das fazendas e dos colonos que nelas viveram pode ecoar nas histórias passadas de geração em geração. Mas a pressa da vida moderna pode fazer com que essas lembranças se desvaneçam, a menos que sejam ativamente cultivadas e transmitidas.

Eu venho de uma cidade onde criança era inocente e os mais velhos exemplos de respeito e sabedoria e ninguém tinha vergonha de dizer ‘Bença Vó’. A tradição de respeito pelas diferentes idades é hoje uma herança que ainda pode inspirar as gerações futuras, quem sabe… No entanto, a modernização muitas vezes coloca as gerações umas contra as outras, ao invés de reconhecer a importância de cada período de uma vida.

Eu venho de um lugar onde ter irmãos é sempre uma benção e ter velhos amigos é saber dar o valor devido a estar dentro de um abraço apertado, mesmo que isso só aconteça de tempos em tempos. As amizades e conexões entre os colonos eram fundamentais para a sobrevivência e apoio mútuo. Hoje, a cidade ainda mantém uma comunidade calorosa, mas a crescente individualização pode dificultar a formação de laços profundos.

Venho de uma cidade onde todos nos acolhem e sempre há um lugarzinho para se aconchegar como coração de mãe. As fazendas eram os lares que acolhiam gerações. Hoje, as casas podem ser um porto seguro, mas a velocidade das mudanças muitas vezes dificulta a criação de um senso de pertencimento duradouro.

Eu venho de uma cidade onde sempre tem uma lua para iluminar nossas noites escuras. Venho de uma cidade que ainda tem sua própria luz, tem história e ainda tem esperança. Mas o desafio está em manter essa luz brilhante em meio à pressa e às demandas do mundo contemporâneo.

Hoje percebo que mesmo enquanto a cidade de onde eu venho se transformou totalmente, ainda vejo belezas a serem reencontradas nas relações, na natureza e na sua história, que ajudou moldar de tudo em mim. 

Hoje continuo como o pescador teimoso e otimista que, mesmo nos dias de ‘dar em banho em minhoca’, ainda acha que vai pescar no final da tarde aquele peixão de três quilos. 

Procuro as coisas boas, e como o pescador, ainda acredito na salvação que virá no fim do dia. Busco olhar e ver maravilhas onde cresce o mato. Teimo em abrir folha por folha e olhar no interior da flor para descobrir a magia do botão que ainda teima em renascer em meio ao caos e se transformar novamente na essência única para recriar um lindo jardim florido, nessa cidade de onde eu venho…

José Luiz Ricchetti – 19/08/23

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