Ontem uma velha amiga de infância, ao fazer um post, falando sobre um dos amigos do seu pai, me fez imediatamente recordar não só dele, mas de vários outros habitantes da nossa cidade natal, cuja principal característica era a tradicional e indefectível elegância.
Impossível, após ler o texto dela, não perceber o desabrochar na minha mente de várias outras figuras que habitaram o meu cotidiano, numa época em que era muito comum os homens irem até em piqueniques trajados de paletó e gravata.
Aliás, essa mesma amiga, certa vez, comentando sobre o próprio pai, médico na mesma cidade natal, disse: – Acho que nunca vi meu pai sem paletó e gravata!
Outra característica importante é que essas pessoas não eram somente elegantes pela natureza de suas roupas, eles eram também de uma elegância que não se media somente pelo traje, mas também pelas palavras, pelo olhar inefável, pelo sorriso discreto, pela simplicidade.
Alguém até já disse que elegante não é quem usa roupas caras ou famosas, mas quem se veste de gentileza. Essas pessoas, esses personagens eram, antes de tudo, pessoas elegantes de alma.
O fato era que vários desses homens de outrora se trajavam com extremo esmero. Você jamais os veria sair de casa, sem um terno cinza ou azul marinho risca de giz, com uma camisa extremamente branca, com punhos e colarinhos super engomados e espetados com suas barbatanas, abotoaduras bem ajustadas nas mangas, um cinto da mesma cor dos sapatos, que por sinal estavam sempre muito bem engraxados, tudo combinando e complementado pela linda gravata sempre presa à camisa por um destacado prendedor de gravata.
O complemento final era sempre dado por um elegante chapéu de feltro, cuja marca famosa na época era a Prada, além é claro do célebre guarda-chuva, peça fundamental, muito mais como acessória na elegância do que por uma real preocupação com um eventual dia de chuva.
Ah e não podemos nos esquecer que, se o dia fosse realmente de chuva, lá vinham eles com mais dois itens fundamentais, a capa de gabardine sempre de cor bege e as tradicionais galochas recobrindo os sapatos, que para os mais novos, que provavelmente não sabem exatamente o que é, sugiro ir logo pesquisar no Dr. Google…
Dois desses mais expressivos personagens eram representados, um deles por um advogado Dr. Luiz Danziatto e o outro por um comerciário, Ciro Capelotto, apelidado de ‘empapelado’ tamanha a sua elegância e fineza no caminhar, todas as manhãs, com seu inseparável guarda-chuva, rumo ao trabalho, numa das mais tradicionais casas de roupas finas da nossa cidade.
Quanto ao nosso simpático Dr Danziatto, me ocorreu também que ele foi personagem de uma pequena história, que me foi contada por um dos seus amigos e meu tio avô Hermínio.
Todas as sextas-feiras ele e um grupo seleto de amigos costumavam jogar cartas e para isso se reuniam sempre na casa de um deles. Deste grupo seleto, participavam, além do próprio advogado, alguns dos seus melhores amigos, mas também o prefeito, o juiz de direito, o promotor, além de alguns médicos e outros colegas causídicos.
Numa dessas noites, chovia a cântaros, o que fez com que o nosso personagem, se motivasse a estrear a sua nova capa de gabardine, comprada na famosa Casa Ricci, a “A gigante da Sorocabana”, coincidentemente vendida a ele pelo nosso outro homem elegante o Sr. Ciro Capelotto, o ‘empapelado’.
Assim lá foi ele, todo garboso, caminhando pela noite chuvosa, com seu terno, seu chapéu Prada, seu guarda-chuva, suas galochas e a novíssima capa de gabardine, rumo a casa, onde ocorreria o carteado.
Podia se dizer que, ao caminhar com suas indefectíveis galochas, o chapéu Prada, o guarda-chuva, o terno cinza e a nova capa de gabardine, ele facilmente poderia ser confundido com o próprio ator Humphrey Bogart naquela célebre cena de despedida do filme Casa Blanca.
Mas voltando ao nosso personagem, já na casa do amigo, noite adentro, carteado a mil, o Doutor Danziatto, entusiasmado pelo dia de sorte, ficou até o fim da jogatina, quando já amanhecia, sendo o último a sair. Alguns dos participantes, com menos sorte e cansados já haviam se retirado até bem mais cedo…
Vendo que a chuva ainda continuava, se dirigiu à chapeleira da casa para pegar os seus pertences, como o guarda-chuva, o chapéu e claro a sua nova capa de gabardine.
Surpreso, o Dr. Danziatto logo notou imediatamente que o tecido da única capa que restara nos cabides, não parecia estar tão novo como deveria, mas pelo contrário se via que estava bem puído e até meio rasgado nas mangas.
Esperto que era, ele logo ele percebeu a malandragem, de que algum dos presentes havia trocado, propositalmente, a sua novíssima capa por uma usada e bem mais velha….
Bravo e nervoso o Dr, Danziatto desabafou ao amigo, já na porta da casa, em puro italiano:
– Tutti dottori, mi hanno rubato il mantello!
– Todos doutores, mas roubaram minha capa!
Em seguida, reassumiu sua elegância de alma, calçou as galochas, colocou o chapéu, vestiu a surrada capa de gabardine e saiu pela chuva…
José Luiz Ricchetti – 29/04/2023