Texto criado e escrito por José Luiz Ricchetti
Se no dicionário a palavra paralelepípedo quer dizer bloco retangular, designação dada a um prisma cujas faces são paralelogramos, na minha memória a palavra remete às ruas de pedra da minha querida São Manuel, minha cidade natal.
Paralelepípedo, palavra difícil de pronunciar, mas que à cada sílaba dita parece religar o cérebro, vasculhar a nossa alma para retirar de lá as doces lembranças do acordar muito cedo, com o som característico dos ganchos de ferro batendo nos vãos das pedras.
O som do ferro a deslizar pelo meio das pedras, produzido pelo calejado trabalhador, ao tentar arrancar as ervas daninhas, parece, também nos arrancar da alma, sons, que como gritos de saudades, fazem surgir as lembranças, de uma infância esquecida que agora teima em voltar.
Ah… Tempo das peladas na calçada, tempo de criança de rua, pés descalços, joelhos esfolados, em que chinelo virava trave, meia velha virava bola, enxurrada virava banho e chuva trazia muito risos como aqueles abandonados dentro de um saco de risadas.
Ah… Ruídos na pedra, que se transformam em ricas lembranças. Lembranças das primaveras de flores, dos gostosos dias de outubro, mês predileto, mês do meu aniversário, mês das revoadas de içás, dos mormaços de fim de tarde, do pular muros e pegar mangas no pé…
Ah… Ruídos na pedra, que teimosamente afloram nossas lembranças, presas na memória, que como um álbum de figurinhas da alma, trazem pregados seus cromos de todos os matizes, cromos das gostosas brincadeiras, como o pega-pega e a bolinha de gude.
Ah… Ruídos na pedra, que me lembram o caçar de passarinhos, os banhos de rio, o andar de bicicleta, o voar ladeira abaixo, preso a um carrinho de rolimãs.
Rua de Paralelepípedo, que nos traz as emoções, que juntas e misturadas, como se fosse um grande pacote de figurinhas carimbadas, estão coladas no álbum de histórias da nossa infância.
Rua de Paralelepípedo, cheia de marcas que não nos deixam mais, como aquela cicatriz no braço, o encardido de terra roxa nos pés, que só saía com muita água e sabão…
Rua de Paralelepípedo, que não nos abandona mais. Rua que ecoa no coração como os gritos de nossas mães, no final da tarde, nos chamando pra jantar com aquele: – Passa pra dentro moleque!
Ah… Rua de Paralelepípedo.
Rua sem nenhum perigo, rua sem falsidade, rua nua, rua crua, rua limpa, rua da amizade, rua da saudade, rua da minha cidade, rua que era rua, rua de verdade!
José Luiz Ricchetti – 28/09/2022