Esta semana ao abrir a agenda da escola de minha filha de seis anos (*) li algo que me surpreendeu e que me fez voltar no tempo. Na agenda estava escrito, entre outras coisas que na disciplina de história as crianças iriam investigar e estudar sobre um brinquedo antigo, a boneca! (*) Lembro aqui para aqueles que não sabem que sou um pai avô.
Aquela frase taxando a boneca como um brinquedo antigo me deixou embasbacado. Naquele momento comecei a me lembrar da minha época de infância, que para mim parecia que tinha sido ontem, quando minhas primas brincavam de boneca e nós os meninos brincávamos de carrinho.
Incrível como o tempo passou rápido e o mundo mudou tanto! E parece que mudou para pior…
Eram tempos de ter e apreciar os amigos. Tempos de jogar bolinha de gude, de empinar pipa, de jogar futebol de rua, as nossas famosas peladas; tempos de carrinho de rolimã, de rodar pneu, de pegar carona nos caminhões ou nas carroças, de jogar taco, de andar de bicicleta pelas estradas de terra; tempos de passar peneira nos rios em busca de lambaris e quem sabe com sorte pegar um bom bagre, de tomar banho de chuva, de jogar dardos em colmeias de marimbondos e abelhas; tempos de brincar de pega-pega e esconde-esconde, de apertar campainhas dos vizinhos e tantas outras coisas em que o normal era brincar até o anoitecer, sem que nossos pais se preocupassem com isso.
As meninas também tinham suas brincadeiras entre outras as de brincar de boneca, de casinha; tempos de jogar amarelinha, de brincar de escolinha, época em que era comum as mães, tias e avós fazerem vestidos para enfeitar suas bonecas. Não podemos nos esquecer que elas também faziam seus passeios de bicicleta pela redondeza da cidade, brincavam de pega-pega e esconde-esconde e apertavam as mesmas campainhas dos vizinhos.
Já na adolescência curtíamos os incríveis carnavais com seus corsos, banhos de água e ‘sangue de diabo’, onde nossos bailes de carnaval tinham lança perfume, serpentinas e confetes a profusão e onde as músicas eram aquelas lindas marchinhas desprovidas da chatice dos dias de hoje do ‘politicamente correto’.
Tínhamos também os bailinhos de garagem, os grandes bailes no clube, com suas orquestras e a linda voz do ‘crooner’ cantando músicas fantásticas, para podermos tirar as meninas e dançar de rosto colado, dar aquele beijo escondido, na parte escura do salão. Tudo isso preenchia os nossos finais de semana e fazia parte das grandes emoções vividas.
Ir ao cinema então, onde os meninos só entravam de paletó e gravata, para se sentar ao lado da sua garota, pegar na mão pela primeira vez, sentir o arrepio no encostar de braços e dar o primeiro abraço, aquele primeiro beijo roubado, fazia parte de uma época em que o romantismo e a gentileza com as garotas faziam parte da educação e do glamour. Hoje, infelizmente, vemos tudo isso ser taxado, por alguns, de coisa de machista’….
Em relação as nossas famílias era uma relação levadas muito à sério, onde pedir a benção aos tios e avós, quando os encontrávamos ou então na hora de dormir, aos nossos pais, era sinal de amor e respeito.
Não podemos também nos esquecer do quanto admirávamos os tios e tias bem como os primos mais velhos, pelos quais tínhamos não só um grande respeito, mas por alguns, até uma certa adoração.
Vê-los todos, nas festas de aniversário ou encontrá-los no final de semana, na visita praticamente obrigatória à casa dos avós ou então estarmos todos reunidos nas festas dos finais de ano, eram coisas que esperávamos com muita ansiedade e prazer.
Se olharmos como um todo, a política nessa época não tinha toda essa bandalheira explicita que vemos descaradamente nos dias de hoje. Os líderes, no país e no mundo nos pareciam honrados e pessoas pelas quais tínhamos admiração.
A política brasileira, por exemplo, nos parecia bem mais leve, cheia até de certos folclores e coisas até engraçadas como por exemplo a famosa frase de um político famoso, em dia de comício, quando o palanque começa a cair e ele sem perder o ritmo do seu discurso continua e diz: “Cai o palanque, mas não cai a democracia” ….
Na cultura tivemos, com certeza, a época de maior criatividade e qualidade de todos os tempos, onde o cinema fez seus melhores filmes, a música nos deu pérolas como a Bossa Nova de João Gilberto, Vinicius e Jobim, onde houve a Jovem Guarda de Roberto Carlos e sua trupe, onde nasceu o ritmo do rock com estrelas do quilate de Elvis, Beatles e todas as inúmeras grandes bandas que vierem no mesmo rastro.
O teatro nos deu autores como Guarnieri, Nelson Rodrigues e Plínio Marcos, para dizer alguns. A arquitetura Lúcio Costa e Niemeyer; a pintura Tarsila do Amaral e Portinari, por exemplo.
Na literatura Drumond e Clarice Lispector são dois fantásticos exemplos e nos esportes tivemos os expoentes de um João de Oliveira, Eder Jofre e Airton Senna sem esquecer da famosa seleção de 1970, a melhor de todos os tempos, com nada menos que Pelé, Gerson e Rivelino.
Eu ficaria aqui descrevendo um dia inteiro e cometendo mais injustiças por nomes e fatos que deixaria, com certeza, de citar em qualquer dessas áreas, mas o fato é que vivemos uma época de ouro na criatividade e na qualidade de quem, e de tudo o que foi produzido, realizado e divulgado.
Hoje, infelizmente vivemos o mundo digital com toda a sua ignorância e o assassinato da língua portuguesa. É o famoso mundo líquido descrito no livro de Bauman.
Vivemos a cultura pobre dos MC´s, com seu funk, dos youtubers, dos chamados ‘digitais influencers’ e toda o conjunto de mediocridades que nos assola na cultura, com raras exceções, sem falar na infantilidade das publicações dos ‘tik toks’ e ‘reels’, a falsa realidade dos big brothers, a era dos ‘homens chester de academia’, com muito peito, pernas finas e cabeça vazia. Tempos das tais ditas celebridades que não nos apresentam nada de útil!
O mundo emburreceu!
É por tudo isso que precisamos voltar no tempo e valorizar tudo o que de bom se viveu nos anos 60 e anos 70, os anos dourados, que infelizmente já não existem e não voltam mais.
Assim se na brevidade do tempo somos estrelas com tempo contado, pelo menos tivemos a felicidade de viver num céu onde suas luzes eram mais brilhantes.
Éramos felizes e não sabíamos!
José Luiz Ricchetti – 22/02/2022