CRÔNICA: A VIAGEM DE TREM

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(Texto criado e escrito por José Luiz Ricchetti)

cabeca-ricchetti CRÔNICA: A VIAGEM DE TREM

O primeiro meio de transporte que utilizei foi o trem, creio eu que foi com cinco ou seis anos de idade.

Como nasci em 1952, os primeiros carros nacionais ainda deviam estar nas salas de projetos das montadoras uma vez que os dois primeiros automóveis brasileiros, a Romi-Isetta e o DKV, foram fabricados em 1956 e o lendário fusca só saiu pela primeira vez da linha de produção em 1959.

image-8-880x1024 CRÔNICA: A VIAGEM DE TREM

Assim os carros que existiam, nessa época, eram aqueles bem antigos, principalmente das marcas Ford e Chevrolet, todos importados e cujos proprietários ou eram pessoas que dependiam deles para o trabalho, como taxistas ou caminhoneiros ou quem possuía uma situação financeira privilegiada. Além disso as estradas eram precárias e viajar de carro ou mesmo de ônibus era simplesmente uma grande aventura a que poucos de arvoravam.

O trem, ao contrário, era um transporte clássico, confortável e democrático pois através das várias classes de vagões dava a possibilidade para que todos viajassem com um certo conforto, independentemente da sua situação financeira.

Portanto, nessa minha época de criança o trem era o grande e melhor meio de transporte e me lembro claramente que ali na pequena, mas elegante estação de São Manuel, minha cidade natal, todo final de ano, nossa família pegava o trem com destino à São Paulo, para visitar minha avó materna.

A partir dessas viagens minha memória jamais se esqueceu do ‘cheiro de trem’ começando pelo forte odor da fumaça de carvão vindo da locomotiva ‘Maria Fumaça’, que penetrava nossas cabines, até desfilar pelos vários outros aromas, dependendo do tipo de vagão, como dos bancos de madeira da segunda classe, do couro das cadeiras da primeira classe ou do veludo das poltronas da classe ‘pulman’, passando pelo cheirinho de café do carro restaurante, até chegar nos vagões leito, com seu suave perfume, bem característico, onde eu e meus irmãos sempre brigávamos para ver quem ia dormir na parte de cima dos beliches.

Trens que com seus detalhes de construção e limpeza de seus vagões, nessa época, eram admiráveis. Me lembro daqueles bagageiros, acima das poltronas, feitos de madeira ripada, fixados com suportes de metal amarelo, dos painéis laterais de madeira envernizada, dos lustres de vidro fosco, com seus aros dourados, onde se podia ver impresso por jato de areia o logotipo da companhia ferroviária e tantas outras particularidades que sempre me encantaram….

Seus funcionários então, tanto nos trens como nas estações, eram todos elegantemente trajados, nos seus uniformes azuis, com galardões dourados e quepes de um azul mais escuro, tendo o símbolo da ferrovia, bordado em letras douradas no centro da testeira. Todos eram devidamente identificados com uma pequena placa de metal pregada no peito, com nome e função, e cada um deles, desde o chefe da estação, passando pelos maquinistas, bilheteiros e garçons se esmeravam na gentileza e educação.

Não podemos nos esquecer também daqueles senhores que ficavam na estação aguardando a chegada dos trens para então carregarem nossas malas. Sim eles, os carregadores, que também impecáveis nos seus uniformes brancos, de gravata e sapatos pretos bem engraxados, usando um quepe branco de abas pretas, com uma plaqueta de metal, com seus números estampados, no centro da testeira, para melhor identificação de nós usuários.

E assim rememorando essas lindas e gostosas viagens e os detalhes dos trens de outrora, me fez, com que começasse a pensar de como existe uma correlação das viagens de trem com a nossa vida, pois desde que nascemos e entramos nesse trem a viagem, como a nossa vida, passa a ter muitos embarques e desembarques, trechos agradáveis, plenos de felicidade e horas em que o trecho se torna difícil, ruim e cheio de solavancos, tristezas e melancolias.

Nesse trem em que começamos a viagem com nossos pais, às vezes, em determinados momentos, percebemos que eles desembarcam, sem nos avisar, nos deixando cheios de saudades, do amor, do carinho, dos conselhos e orientações que nos presentearam durante os vários trechos da viagem, momentos que compartilhamos juntos na alegria e na tristeza.

O mesmo acontece com muitos dos amigos e parentes ou mesmo da nossa cara metade ou até, as vezes, dolorosamente com os filhos, que por circunstâncias que não entendemos ainda muito bem desembarcam prematuramente do trem em alguma estação e não seguem mais conosco até o final da viagem.

O que nos consola, nessas horas, é saber que no dia em que for a nossa vez de desembarcar, todos eles, como também os carregadores e até o próprio chefe da estação estarão lá, nos esperando para nos dar as boas-vindas e nos ajudar a descarregar nossas bagagens adquiridas durante toda a viagem, algumas delas leves outras bem pesadas.

Enquanto estamos fazendo essa nossa viagem da vida percebemos também que muitos dos que estão no mesmo trem, estão só à passeio e não se preocupam em fazer algo para que seus companheiros de viagem sejam mais felizes ou para ajudarem o próprio trem a se manter conservado. Estes, são aqueles que quando descem do trem nem sequer percebemos e nem sentimos sua falta. Eles são os que só se preocupam consigo mesmos e infelizmente, ao chegarem no desembarque terão grandes dificuldades para carregar suas próprias bagagens, extremamente pesadas…

Essa viagem para cada um de nós é sempre assim, as vezes monótonas, as vezes cheias de emoções, mas sempre repletas de sonhos e fantasias; ilusões e desilusões; amores e desamores; conflitos e decepções; alegrias e tristezas; chegadas e partidas….

O fato é que desde o primeiro dia em que embarcamos, não há mais volta, a viagem segue seu rumo, dentro de trilhos, as vezes pré-definidos, com suas paradas obrigatórias até chegarmos a estação fina onde desembarcaremos.

Estamos todos nesse mesmo trem, então o melhor é fazermos desta nossa viagem o melhor que pudermos, ajudando a todos que estão nos vários vagões, sejam eles de segunda ou primeira classe, da classe pulmam ou em carros leito. O que mais importa é tentar ajudar a quem quer que esteja conosco no mesmo trem, em busca do mesmo destino, pois assim, quem sabe, no final da viagem a nossa bagagem não nos pese tanto e possamos ser recebidos pelo chefe da estação.

Assim o que nos resta é seguir sempre em frente procurando fazer desta uma viagem alegre e desprendida, da melhor maneira que pudermos, pois afinal o grande mistério deste trem da vida é que nunca sabemos, quando ou em que estação desceremos…

José Luiz Ricchetti – 08/08/2022

CRÔNICA: A VIAGEM DE TREM

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(Texto criado e escrito por José Luiz Ricchetti)

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O primeiro meio de transporte que utilizei foi o trem, creio eu que foi com cinco ou seis anos de idade.

Como nasci em 1952, os primeiros carros nacionais ainda deviam estar nas salas de projetos das montadoras uma vez que os dois primeiros automóveis brasileiros, a Romi-Isetta e o DKV, foram fabricados em 1956 e o lendário fusca só saiu pela primeira vez da linha de produção em 1959.

image-8-880x1024 CRÔNICA: A VIAGEM DE TREM

Assim os carros que existiam, nessa época, eram aqueles bem antigos, principalmente das marcas Ford e Chevrolet, todos importados e cujos proprietários ou eram pessoas que dependiam deles para o trabalho, como taxistas ou caminhoneiros ou quem possuía uma situação financeira privilegiada. Além disso as estradas eram precárias e viajar de carro ou mesmo de ônibus era simplesmente uma grande aventura a que poucos de arvoravam.

O trem, ao contrário, era um transporte clássico, confortável e democrático pois através das várias classes de vagões dava a possibilidade para que todos viajassem com um certo conforto, independentemente da sua situação financeira.

Portanto, nessa minha época de criança o trem era o grande e melhor meio de transporte e me lembro claramente que ali na pequena, mas elegante estação de São Manuel, minha cidade natal, todo final de ano, nossa família pegava o trem com destino à São Paulo, para visitar minha avó materna.

A partir dessas viagens minha memória jamais se esqueceu do ‘cheiro de trem’ começando pelo forte odor da fumaça de carvão vindo da locomotiva ‘Maria Fumaça’, que penetrava nossas cabines, até desfilar pelos vários outros aromas, dependendo do tipo de vagão, como dos bancos de madeira da segunda classe, do couro das cadeiras da primeira classe ou do veludo das poltronas da classe ‘pulman’, passando pelo cheirinho de café do carro restaurante, até chegar nos vagões leito, com seu suave perfume, bem característico, onde eu e meus irmãos sempre brigávamos para ver quem ia dormir na parte de cima dos beliches.

Trens que com seus detalhes de construção e limpeza de seus vagões, nessa época, eram admiráveis. Me lembro daqueles bagageiros, acima das poltronas, feitos de madeira ripada, fixados com suportes de metal amarelo, dos painéis laterais de madeira envernizada, dos lustres de vidro fosco, com seus aros dourados, onde se podia ver impresso por jato de areia o logotipo da companhia ferroviária e tantas outras particularidades que sempre me encantaram….

Seus funcionários então, tanto nos trens como nas estações, eram todos elegantemente trajados, nos seus uniformes azuis, com galardões dourados e quepes de um azul mais escuro, tendo o símbolo da ferrovia, bordado em letras douradas no centro da testeira. Todos eram devidamente identificados com uma pequena placa de metal pregada no peito, com nome e função, e cada um deles, desde o chefe da estação, passando pelos maquinistas, bilheteiros e garçons se esmeravam na gentileza e educação.

Não podemos nos esquecer também daqueles senhores que ficavam na estação aguardando a chegada dos trens para então carregarem nossas malas. Sim eles, os carregadores, que também impecáveis nos seus uniformes brancos, de gravata e sapatos pretos bem engraxados, usando um quepe branco de abas pretas, com uma plaqueta de metal, com seus números estampados, no centro da testeira, para melhor identificação de nós usuários.

E assim rememorando essas lindas e gostosas viagens e os detalhes dos trens de outrora, me fez, com que começasse a pensar de como existe uma correlação das viagens de trem com a nossa vida, pois desde que nascemos e entramos nesse trem a viagem, como a nossa vida, passa a ter muitos embarques e desembarques, trechos agradáveis, plenos de felicidade e horas em que o trecho se torna difícil, ruim e cheio de solavancos, tristezas e melancolias.

Nesse trem em que começamos a viagem com nossos pais, às vezes, em determinados momentos, percebemos que eles desembarcam, sem nos avisar, nos deixando cheios de saudades, do amor, do carinho, dos conselhos e orientações que nos presentearam durante os vários trechos da viagem, momentos que compartilhamos juntos na alegria e na tristeza.

O mesmo acontece com muitos dos amigos e parentes ou mesmo da nossa cara metade ou até, as vezes, dolorosamente com os filhos, que por circunstâncias que não entendemos ainda muito bem desembarcam prematuramente do trem em alguma estação e não seguem mais conosco até o final da viagem.

O que nos consola, nessas horas, é saber que no dia em que for a nossa vez de desembarcar, todos eles, como também os carregadores e até o próprio chefe da estação estarão lá, nos esperando para nos dar as boas-vindas e nos ajudar a descarregar nossas bagagens adquiridas durante toda a viagem, algumas delas leves outras bem pesadas.

Enquanto estamos fazendo essa nossa viagem da vida percebemos também que muitos dos que estão no mesmo trem, estão só à passeio e não se preocupam em fazer algo para que seus companheiros de viagem sejam mais felizes ou para ajudarem o próprio trem a se manter conservado. Estes, são aqueles que quando descem do trem nem sequer percebemos e nem sentimos sua falta. Eles são os que só se preocupam consigo mesmos e infelizmente, ao chegarem no desembarque terão grandes dificuldades para carregar suas próprias bagagens, extremamente pesadas…

Essa viagem para cada um de nós é sempre assim, as vezes monótonas, as vezes cheias de emoções, mas sempre repletas de sonhos e fantasias; ilusões e desilusões; amores e desamores; conflitos e decepções; alegrias e tristezas; chegadas e partidas….

O fato é que desde o primeiro dia em que embarcamos, não há mais volta, a viagem segue seu rumo, dentro de trilhos, as vezes pré-definidos, com suas paradas obrigatórias até chegarmos a estação fina onde desembarcaremos.

Estamos todos nesse mesmo trem, então o melhor é fazermos desta nossa viagem o melhor que pudermos, ajudando a todos que estão nos vários vagões, sejam eles de segunda ou primeira classe, da classe pulmam ou em carros leito. O que mais importa é tentar ajudar a quem quer que esteja conosco no mesmo trem, em busca do mesmo destino, pois assim, quem sabe, no final da viagem a nossa bagagem não nos pese tanto e possamos ser recebidos pelo chefe da estação.

Assim o que nos resta é seguir sempre em frente procurando fazer desta uma viagem alegre e desprendida, da melhor maneira que pudermos, pois afinal o grande mistério deste trem da vida é que nunca sabemos, quando ou em que estação desceremos…

José Luiz Ricchetti – 08/08/2022

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