Ontem eu estava lendo um artigo do Christophe Clavé, francês, cronista e professor de gestão, que de certo modo viralizou na internet.
No texto ele associa o empobrecimento da linguagem à diminuição do QI, no que seria a inversão do ‘Efeito Flynn’, nome do cientista que estabeleceu e deu nome a demonstração do crescimento do QI ao longo dos tempos.
Por outro lado, o neurocientista francês Michel Desmurget, diretor de pesquisa do Instituto Nacional de Saúde da França com vasta publicação científica e que também já passou por centros de pesquisa renomados como o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e a Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, no seu livro ‘A Fábrica de Cretinos Digitais’ apresenta, dados concretos de como os dispositivos digitais vêm afetando, seriamente, o desenvolvimento neural de crianças e jovens.
“Simplesmente não há desculpa para o que estamos fazendo com nossos filhos e como estamos colocando em risco seu futuro e desenvolvimento”, alerta Desmurget, em entrevista à BBC News Mundo.
Segundo ele as evidências são palpáveis: já há um tempo em que os testes de QI (Quociente de Inteligência) têm apontado que as novas gerações são menos inteligentes que anteriores.
É verdade que o QI é fortemente afetado por fatores como o sistema de saúde, o sistema escolar, o nível de nutrição etc. Mas se considerarmos os países onde os fatores socioeconômicos têm sido bastante estáveis por décadas, o ‘Efeito Flynn’ começa a diminuir.
Nesses países, os ‘nativos digitais’ são os primeiros filhos a ter QI inferior ao dos pais. É uma tendência que foi documentada na Noruega, Dinamarca, Finlândia, Holanda, França etc.
Desmurget ainda nos diz: ‘O que sabemos com certeza é que, mesmo que o ‘tempo de tela’ de uma criança não seja o único culpado, isso tem um efeito significativo em seu QI. Vários estudos têm mostrado que quando o uso de televisão ou videogame aumenta, o QI e o desenvolvimento cognitivo diminuem’.
Em resposta à pergunta da BBC:
– E por que o uso de dispositivos digitais causa tudo isso?
Desmurget afirmou que as principais causas são bem identificadas:
- Diminuição da qualidade e quantidade das interações no seio da família, essenciais para o desenvolvimento da linguagem e do emocional;
- Diminuição do tempo dedicado a outras atividades mais enriquecedoras tais como lição de casa, música, arte, leitura etc.;
- Perturbação do sono, que é quantitativamente reduzido e qualitativamente degradado;
- Super estimulação da atenção, levando a distúrbios de concentração, aprendizagem e impulsividade;
- Sub estimulação intelectual, que impede o cérebro de desenvolver todo o seu potencial;
- Sedentarismo excessivo que, além do desenvolvimento corporal, influencia a maturação cerebral.
Além disso tudo, que já é preocupante, no Brasil, podemos incluir, mais um desses fatores, que afeta os nossos jovens: a falta de leitura!
Dados da pesquisa ‘Retratos da Leitura no Brasil’ obtidos no site ‘Agência Brasil’, nos mostra que o Brasil perdeu, nos últimos quatro anos, mais de 4,6 milhões de leitores. De 2015 para 2019, a porcentagem de leitores no Brasil caiu de 56% para 52%.
Já os não leitores, ou seja, brasileiros com mais de 5 anos que não leram nenhum livro, nem mesmo parcialmente, nos últimos três meses, representam 48% da população, o que equivale a cerca de 93 milhões de um total de 193 milhões de brasileiros (2019).
As maiores quedas no percentual de leitores foram observadas entre as pessoas com ensino superior, passando de 82% em 2015 para 68% em 2019. A queda também é substancial entre os mais ricos. Na classe A, o percentual de leitores passou de 76% para 67%.
O brasileiro lê, em média, cinco livros por ano, sendo aproximadamente 2,4 livros lidos apenas em parte e, 2,5, inteiros, o que é muito pouco.
De acordo com a coordenadora da pesquisa, Zoara Failla, a internet e as redes sociais são razões para a queda no percentual de leitores, sobretudo entre as camadas mais ricas e com ensino superior.
‘As pessoas estão usando o seu tempo livre, não para a leitura, mas para as redes sociais. A gente nota que a principal dificuldade apontada pelas pessoas é a falta de tempo para leitura, mas a verdade é que o tempo que sobra vem sendo usado nas redes sociais´’, completa ela.
O estudo mostra que 82% dos leitores gostariam de ter lido mais. Quase a metade ou seja 47% diz que não o fez por falta de tempo. Entre os ‘não leitores’, 34% alegaram também falta de tempo e 28% disseram que não leram porque não gostam.
A internet e o WhatsApp ganharam espaço entre as atividades preferidas no tempo livre entre todos os entrevistados, leitores e não leitores.
Em 2015, ao todo, 47% disseram usar a internet no tempo livre. Esse percentual aumentou para 66% em 2019. Já o uso do WhatsApp passou de 43% para 62%.
Enfim, a sensação é de que estamos emburrecendo e trocando a leitura, o convívio familiar, os esportes, pela super estimulação e sub estimulação intelectual da internet e das redes sociais.
E quando a gente assiste a qualquer programa da TV de hoje, seja ela aberta ou fechada, aos inúmeros podcasts, as entrevistas dos ditos ‘influencers ‘, ‘youtubers’ , uma série grande de artistas, esportistas, celebridades e políticos da atualidade essa sensação vira certeza:
A Burrice virou moda!
Como nos disse Clavé ao clamar aos pais e professores:
‘Façamos com que nossos filhos e alunos falem, leiam e escrevam. Vamos ensiná-los a praticar pelos menos o nosso idioma em suas mais diversas formas, mesmo que nos pareça complicado, mas principalmente se for complicado. Porque é no esforço que existe a liberdade.’
Tem uma frase do filósofo Olavo de Carvalho que nunca esteve tão significativa:
‘Ao contrário do dinheiro e da saúde, a inteligência tem uma característica principal, quanto mais você a perde menos vai dar falta dela!’
José Luiz Ricchetti – 03/05/2022