Artigo: Imagens sem foco

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cabeca-ricchetti Artigo: Imagens sem foco

Texto criado e escrito por José Luiz Ricchetti

Na mitologia grega, Lete é um dos rios do Hades. Aqueles que bebessem de sua água ou, até mesmo, tocassem na sua água experimentariam o completo esquecimento.

image-26 Artigo: Imagens sem foco

Algumas religiões esotéricas ensinavam que havia um outro rio, o Mnemósine, e beber das suas águas faria recordar tudo e alcançar a omnisciência, ou seja, o que sabe tudo e que tudo conhece.

Dizem que todo escritor é um privilegiado, não nesse sentido de que sabe tudo e é omnisciente, mas sim no sentido de que tem a capacidade de ler a realidade de um outro modo e focar nela os detalhes de outro ângulo e com isso traduzi-la em pensamentos através das palavras.

Independente da facilidade que nós escritores tenhamos para fazer isso, todos nós, hoje, vivemos num mundo absolutamente difícil, onde é quase que impossível ordenar pensamentos e se focar em algo que vale a pena, em algo que nos traga benefícios.

Vivemos em um mundo onde a quantidade de informações e conhecimentos vêm em um número tal como uma avalanche de notícias que não conseguimos focar em quase nada.

Tudo que vemos, ouvimos passa a ser genérico e sem profundidade, o que nos deixa paralisados e sem possibilidade de curtir ou aproveitar aquele momento, que passa sobre nós como se fosse um trator.

Hoje nos sentimos como se cada hora fosse um minuto e como se cada minuto fosse um segundo. Viramos fotógrafos de instantâneos da vida e aqueles que só conseguem tirar fotos sem foco!

Nossas imagens não são as verdadeiras, tudo se passa como se nossas lentes tivessem filtros e não conseguíssemos registrar a verdadeira imagem. Vemos somente o que não tem graça, o que não tem cor, não tem sabor. São fotos em branco e preto e totalmente desfocadas da realidade.

Aquele momento verdadeiro, cheio de amor e de emoção ficou para trás, tudo se transforma numa torta de chuchu, sem gosto e sem sabor, ou seja, tudo ficou insípido, inodoro e incolor. Não damos valor aos momentos que vivemos como eles realmente são, como eles realmente merecem. Tudo é superficial e sem foco.

Quem de nós já não teve a experiência de andar a pé no próprio bairro ou na própria rua e se surpreendeu com detalhes que nunca tinha visto?

É aquela pequena casa antiga e conservada onde mora a simpática velhinha com seu gato na janela, é o caramanchão carregado de damas da noite, é o cachorro labrador do vizinho que late e abana seu rabo ao passarmos na frente do portão, do outro lado da rua, é o sorriso do entregador de pizza, é o senhorzinho que vende frutas na banquinha da esquina e que nunca sequer tínhamos visto.

Quando me mudei para São Carlos, no interior paulista uma das coisas que mais me surpreendeu, por incrível que possa parecer, é que à noite eu conseguia me sentar no quintal e observar o céu e as estrelas. Qual de nós consegue fazer isso numa cidade grande?

Nos dias de hoje nossas horas passam sem que observemos os detalhes das coisas que realmente fazem e tem sentido.

Deixamos de ver o sorriso da criança, ouvir a algazarra das crianças na piscina do prédio, observar a abelha procurando o néctar nas flores, a orquídea que floresce presa à árvore, a menina que nos olha com tristeza no farol, o mendigo que nos estende a mão na porta da padaria.

Nos tornamos fotógrafos de fotos descoloridas e de imagens sem foco.

A vida passa e nos brutalizamos mais e mais. Ficamos mais preocupados em consumir notícias e informações que os inúmeros sites e redes sociais vomitam em cima de nós, diariamente. 

Preferimos ler uma notícia no celular sobre a festa que deu um cantor ou sobre o jogador de futebol que saiu com tal celebridade ou aquele outro que comprou um carro de luxo, do que observar a linda borboleta que voa em torno das flores do nosso jardim.

Na família então é comum observarmos à mesa de um restaurante pais e filhos que não se conversam, mas manuseiam com destreza o celular, talvez em busca de mais fotos fora de foco, de futilidades.

Não se ouve mais o pai contar um caso interessante, não se tem mais paciência para ouvir o avô contar a mesma e repetida história, que para ele é importante, até porque lhe relembra bons momentos que não voltam mais.

São poucos aqueles que vão aos encontros felizes. Poucos são os que procuram os amigos e parentes. Poucos os que procuram cultivar amizades. Preferem todos voltar a ver o amigo só no dia da despedida para a outra dimensão, quando ao invés de rirem juntos, um deles irá chorar.

Temos que voltar a prestar atenção nos pequenos detalhes, nas coisas simples e deixar de se impressionar com o todo, com as vidas efêmeras das celebridades que não têm nada para nos ensinar a não ser futilidades e ostentação.

Temos que voltar a buscar as imagens com foco e aproveitar para curtir os momentos reais que estão a nossa volta.

O tempo é implacável e nos penaliza quando não o aproveitamos. A água que passa por debaixo da ponte não move mais moinhos.  

Temos que nos dedicar as coisas de real interesse e não podemos perder tempo com coisas e pessoas que não se importam.

Meu bisavô italiano costuma dizer que a gente ama onde está o coração. Temos que fazer o mesmo com cada momento desta nossa curta vida terrena. Vivê-lo com amor, buscando suas emoções.

O lugar onde deve estar a sua atenção, o seu coração é onde você está pisando agora. Se dedique a curti-lo, a cultivar tudo de bom que você ouve, vê e observa ali, seja a boa conversa, os bons amigos o ambiente com os filhos e a família. Só isso é que tem conteúdo verdadeiro e real valor!

Viva cada momento como se fosse o último, até porque pode ser mesmo!

E vamos consertar nossa lente, para poder voltar a tirar fotos coloridas, e cheias de foco!

José Luiz Ricchetti – 28/04/2022

Artigo: Imagens sem foco

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Texto criado e escrito por José Luiz Ricchetti

Na mitologia grega, Lete é um dos rios do Hades. Aqueles que bebessem de sua água ou, até mesmo, tocassem na sua água experimentariam o completo esquecimento.

image-26 Artigo: Imagens sem foco

Algumas religiões esotéricas ensinavam que havia um outro rio, o Mnemósine, e beber das suas águas faria recordar tudo e alcançar a omnisciência, ou seja, o que sabe tudo e que tudo conhece.

Dizem que todo escritor é um privilegiado, não nesse sentido de que sabe tudo e é omnisciente, mas sim no sentido de que tem a capacidade de ler a realidade de um outro modo e focar nela os detalhes de outro ângulo e com isso traduzi-la em pensamentos através das palavras.

Independente da facilidade que nós escritores tenhamos para fazer isso, todos nós, hoje, vivemos num mundo absolutamente difícil, onde é quase que impossível ordenar pensamentos e se focar em algo que vale a pena, em algo que nos traga benefícios.

Vivemos em um mundo onde a quantidade de informações e conhecimentos vêm em um número tal como uma avalanche de notícias que não conseguimos focar em quase nada.

Tudo que vemos, ouvimos passa a ser genérico e sem profundidade, o que nos deixa paralisados e sem possibilidade de curtir ou aproveitar aquele momento, que passa sobre nós como se fosse um trator.

Hoje nos sentimos como se cada hora fosse um minuto e como se cada minuto fosse um segundo. Viramos fotógrafos de instantâneos da vida e aqueles que só conseguem tirar fotos sem foco!

Nossas imagens não são as verdadeiras, tudo se passa como se nossas lentes tivessem filtros e não conseguíssemos registrar a verdadeira imagem. Vemos somente o que não tem graça, o que não tem cor, não tem sabor. São fotos em branco e preto e totalmente desfocadas da realidade.

Aquele momento verdadeiro, cheio de amor e de emoção ficou para trás, tudo se transforma numa torta de chuchu, sem gosto e sem sabor, ou seja, tudo ficou insípido, inodoro e incolor. Não damos valor aos momentos que vivemos como eles realmente são, como eles realmente merecem. Tudo é superficial e sem foco.

Quem de nós já não teve a experiência de andar a pé no próprio bairro ou na própria rua e se surpreendeu com detalhes que nunca tinha visto?

É aquela pequena casa antiga e conservada onde mora a simpática velhinha com seu gato na janela, é o caramanchão carregado de damas da noite, é o cachorro labrador do vizinho que late e abana seu rabo ao passarmos na frente do portão, do outro lado da rua, é o sorriso do entregador de pizza, é o senhorzinho que vende frutas na banquinha da esquina e que nunca sequer tínhamos visto.

Quando me mudei para São Carlos, no interior paulista uma das coisas que mais me surpreendeu, por incrível que possa parecer, é que à noite eu conseguia me sentar no quintal e observar o céu e as estrelas. Qual de nós consegue fazer isso numa cidade grande?

Nos dias de hoje nossas horas passam sem que observemos os detalhes das coisas que realmente fazem e tem sentido.

Deixamos de ver o sorriso da criança, ouvir a algazarra das crianças na piscina do prédio, observar a abelha procurando o néctar nas flores, a orquídea que floresce presa à árvore, a menina que nos olha com tristeza no farol, o mendigo que nos estende a mão na porta da padaria.

Nos tornamos fotógrafos de fotos descoloridas e de imagens sem foco.

A vida passa e nos brutalizamos mais e mais. Ficamos mais preocupados em consumir notícias e informações que os inúmeros sites e redes sociais vomitam em cima de nós, diariamente. 

Preferimos ler uma notícia no celular sobre a festa que deu um cantor ou sobre o jogador de futebol que saiu com tal celebridade ou aquele outro que comprou um carro de luxo, do que observar a linda borboleta que voa em torno das flores do nosso jardim.

Na família então é comum observarmos à mesa de um restaurante pais e filhos que não se conversam, mas manuseiam com destreza o celular, talvez em busca de mais fotos fora de foco, de futilidades.

Não se ouve mais o pai contar um caso interessante, não se tem mais paciência para ouvir o avô contar a mesma e repetida história, que para ele é importante, até porque lhe relembra bons momentos que não voltam mais.

São poucos aqueles que vão aos encontros felizes. Poucos são os que procuram os amigos e parentes. Poucos os que procuram cultivar amizades. Preferem todos voltar a ver o amigo só no dia da despedida para a outra dimensão, quando ao invés de rirem juntos, um deles irá chorar.

Temos que voltar a prestar atenção nos pequenos detalhes, nas coisas simples e deixar de se impressionar com o todo, com as vidas efêmeras das celebridades que não têm nada para nos ensinar a não ser futilidades e ostentação.

Temos que voltar a buscar as imagens com foco e aproveitar para curtir os momentos reais que estão a nossa volta.

O tempo é implacável e nos penaliza quando não o aproveitamos. A água que passa por debaixo da ponte não move mais moinhos.  

Temos que nos dedicar as coisas de real interesse e não podemos perder tempo com coisas e pessoas que não se importam.

Meu bisavô italiano costuma dizer que a gente ama onde está o coração. Temos que fazer o mesmo com cada momento desta nossa curta vida terrena. Vivê-lo com amor, buscando suas emoções.

O lugar onde deve estar a sua atenção, o seu coração é onde você está pisando agora. Se dedique a curti-lo, a cultivar tudo de bom que você ouve, vê e observa ali, seja a boa conversa, os bons amigos o ambiente com os filhos e a família. Só isso é que tem conteúdo verdadeiro e real valor!

Viva cada momento como se fosse o último, até porque pode ser mesmo!

E vamos consertar nossa lente, para poder voltar a tirar fotos coloridas, e cheias de foco!

José Luiz Ricchetti – 28/04/2022

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