Durante três anos eu morei no Peru onde dirigi uma companhia de instalações de torres de telefonia celular, durante a implantação da TIM no país.
O Peru é um país maravilhoso e muita gente pode não ter ideia da riqueza da sua cultura, dos sabores da sua comida e da bondade e alegria do seu povo.
Ali vivi muitas passagens interessantes e aprendi muito. Uma delas, ocorreu em Machu Picchu e a contei num texto que escrevi chamado ‘Pequenos conselhos de Machu Picchu’, que publiquei no Medium.
Mas hoje não vamos falar dela, mas sim sobre outra pequena história interessante que se deu no Vale Sagrado dos Incas.
Eu estava em pleno vale sagrado, à beira do rio Urubamba, um rio que percorre todo aquele famosos vale dos incas e que no seu percurso passa ao pé da montanha, onde fica Machu Picchu, ponto final da minha viagem cujo objetivo era instalar uma torre de transmissão, para inauguração da companhia TIM no Peru.
Assim, no caminho, eu aproveitava para visitar várias daquelas localidades e pequenos povoados incas, alguns a mais de 4 mil metros de altura e outros bem mais próximos ao rio.
Uma dessas cidades se chamava Chinchero e fica no topo de uma montanha, localizada em um altiplano formado por pequenos campos onde os descendentes dos incas plantam ainda hoje muita cevada, batata, erva-doce e outras especiarias.
As lhamas e as alpacas também habitam toda a região, que é muito famosa pelo artesanato e fabricação de roupas de lã tingidas e tecidas manualmente.
As lhamas eram e são ainda muito usadas nos Andes peruanos para carregar produtos, prover carne e lã e o povo quéchua, descendente dos incas, usam também seus dejetos como fertilizantes e combustível para aquecimento durante o inverno.
Assim que me aproximei da pequena cidade vi um grupo de aldeões em volta de um buraco, relativamente fundo, onde se podia ver uma pequena lhama, que provavelmente havia caído nele, lutando e se debatendo muito para sair.
Os aldeões faziam de tudo para tentar retirá-la de lá, puxando com cordas, mas sem muito sucesso. Era uma cena emocionante pois vi o velho inca, dono da lhama, que chorava ao ver a situação do animal e provavelmente também pela provável perda, dada a sua grande importância econômica.
Depois de algum tempo, sem conseguirem retirá-la de lá, o velho aldeão desistiu, se afastou do local e disse aos presentes que podiam soterrá-la ali mesmo naquele buraco.
Então, os aldeões, começaram a jogar terra por cima da pequena lhama.
À medida que a lhama recebia um monte de terra sobre si, ela chacoalhava todo o seu corpo, a terra caia no fundo do buraco e a lhama passava então a pisoteá-la.
Após algum tempo, jogando terra, os habitantes de Chinchero perceberam que a própria lhama estava lhes mostrando como podiam retirá-la do fundo daquele buraco, de uma maneira simples e inteligente.
Ao jogarem terra sobre ela, a lhama chacoalhava seu corpo, derrubava a terra no chão e pisoteava por cima. Dava para perceber que a medida que jogavam terra e a lhama fazia isso, a diferença entre o fundo e a borda ia diminuindo.
Não demorou muito para que a lhama alcançasse a borda e saísse do buraco por si só. A terra que os peruamos haviam jogado por cima dela é que a tinha tirado daquele buraco.
Poder ver a alegria estampada no rosto do velho ancião, seu dono, com o sucesso ao salvar a sua pequena lhama, animal de extrema importância para ele, foi uma cena comovente.
Depois de presenciar esse fato extraordinário, parti dali e em pouco tempo cheguei a Cusco, onde iria pernoitar. Eu estava extremamente cansado e então resolvi não sair para jantar.
Tomei um bom banho, pedi um sanduiche para comer no quarto mesmo e fiquei ali rememorando os acontecimentos daquele dia movimentado.
Recordei aquele fato da lhama no buraco e como ela tinha conseguido sair, com os quéchuas jogando terra em cima dela e pensei sobre como aquele fato tinha muita correlação com o que nos acontece na vida.
Quantas vezes a gente não se vê na mesma situação daquela lhama enfiados num desses buracos que a vida nos coloca, como provas pelas quais temos que passar.
Quantas não são as pessoas que nos jogam terra por cima, quando estamos num buraco ou quantas não são aquelas que nos empurram para dentro de um buraco.
Nem todos, infelizmente, nos querem bem. A inveja e o ciúme são alguns dos tipos de terra que costumam jogar sobre nós, ainda mais se você estiver em um buraco, passando alguma dificuldade.
Nessas horas é importante fazermos como a lhama que ao sentir a terra caindo sobre ela, com a inteligência, começou a chacoalhar toda aquela terra e a pisar sobre ela, fazendo dela um trampolim para sair do buraco e voltar a vida.
Cada torrão de terra que cai sobre nós é um sinal de que temos que chacoalhar, tirar a terra, superar, pisar em cima e aprender com as dificuldades daquele momento.
Temos sempre que acreditar que sempre existe uma saída e que a ajuda pode vir de situações mais inusitadas como aquela que ocorreu com aquela lhama.
As vezes a gente menospreza a força que tem, até que sejamos colocados à prova. A vida sempre nos surpreende e basta estarmos abertos às experiências, sempre olhando de modo positivo.
A fé é a chama que move a nossa alma e a esperança é a roupa que a deixa mais bonita e pronta para enfrentar as adversidades da vida e permitir que possamos abrir as portas do impossível!
José Luiz Ricchetti – 24/09/2021