

Hoje encontrei nas minhas coisas antigas um pequeno caderninho com frases e alfarrábios do Tuffi.
Acredito que poucos de vocês tenham ouvido falar dele. O Tuffi era um filósofo nato, talvez o primeiro e único filósofo da minha querida cidade natal, São Manuel.
A maioria de suas frases, que agora coloco aqui em forma de crônica, estavam nesse meu pequeno caderninho, e foram anotadas por mim, quando ainda criança, instigado pelo meu tio avô Hermínio Ricchetti, que as contava, durante as nossas idas e vindas quase que diárias até o seu sítio perto do distrito de Aparecidinha.
Creio que meu tio avô devia ter alguma premonição, de que, um dia, eu me tornaria um contador de histórias e colocaria no papel todas esses pequenos fatos e ‘causos’ que sempre transformo em crônicas. Hoje escolhi estas do Tuffi.
Atribui-se a ele muitos ditos irônicos, engraçados e românticos, embora alguns, até possam parecer depreciativos, mas é preciso sempre se considerar o contexto e a época em que eles foram criados, lá pelos idos dos anos 40/50, onde não havia essa chatice do ‘politicamente correto’ e tudo era levado na brincadeira, sem nenhuma maldade.
A verdade, para quem o conhecia bem, é que ele era um crítico, um comediante, um filósofo, mas antes de tudo um sujeito que morria de amores por sua cidade natal.
‘São Manuel do Paraiso, quando chove fica liso’ é uma das frases mais conhecidas e foi cunhada num dia de chuva, época em que a maioria das ruas principais da cidade, à época, ainda não tinham pavimento.
Quando a política predatória do antigo partido ‘PSP-Partido Social Progressista’, atingia em cheio o futuro da cidade nos anos 50, ele, revoltado, cunhou esta frase, bem crítica, mas ao mesmo tempo engraçada:
‘Com este partido governando nossa cidade só existem duas saídas, ou chove três dias de merda e no dia seguinte faz muito sol ou então chove três dias de pólvora e cai um raio no quarto dia! ‘.
Quem ouve a frase até pode pensar que ela tinha o intuito de depreciar a cidade, mas era apenas um desabafo de quem estava com muita raiva dos políticos que até então dominavam a cidade.
Nesse período, o verão na cidade era muito quente. Assim quando era perguntado sobre o clima, ele costumava responder: ‘São Manuel só tem duas estações, o verão e a estação ferroviária!’
(…)
Outras pérolas ácidas do Tuffi sobre o provincianismo da cidade, à época:
‘O engraçado na minha cidade é que mesmo quando eu não sei o que estou fazendo, tem muita gente que sabe’
‘Aqui, o bom é que todo mundo se conhece e o ruim é que todos me conhecem!’
‘A cidade está encolhendo tanto que logo o nosso único bairro será o centro’
‘Hoje em dia, temos tão pouca coisa para fazer que já tem gente torcendo pra morrer alguém e assim poder ir ao velório!’
‘Se você perguntar sobre uma pessoa qualquer a resposta sempre será: – Eu não o conheço, mas sei quem é!’
‘Você pode até morar em uma cidade pequena, mas a sua mente não precisa ser!’
(…)
Sobre a infância Tuffi sabiamente dizia:
‘Quem nunca brincou de ver quem ficava mais tempo sem respirar, embaixo da água, não teve infância’
‘Minha energia se renova toda vez que sinto os mesmos sons e cheiros, da minha infância. São eles que me dão a energia para a vida e revigoram minha mente!’
‘As recordações da minha infância são as que me aprisionam no tempo e me trazem o tom da saudade e da felicidade’
‘A arte da vida é viver sempre como o moleque que fui tendo a alma leve como pluma, o coração doce como mel e poder curtir cada momento com um sorriso’
‘Se não fosse a infância que tive em São Manuel, teria passado a vida sem saber o que é a felicidade.’
‘Quando estou triste tento me transportar para a minha infância só para poder lembrar o que é um sorriso.’
‘Na infância meu pai me ensinou a andar na linha. Hoje quando me recordo de tudo aquilo que ele me disse é como se fosse atropelado pelo trem’
‘A gente pode ter conhecido muitos lugares bonitos nesta vida, mas é uma simples reunião com os amigos de infância que nos faz dar a volta ao mundo.’
‘Minha infância teve os seus dias mais bonitos, quando vivi nas suas ruas de terra e deixei no chão da cozinha de casa as pegadas dos meus pés descalços.’
(…)
O Tuffi também era um poeta e tinha suas tiradas românticas:
‘Quando a noite vem, gosto de andar pela cidade. Com poucos passos visito todos os lugares e quando já não tenho mais para onde ir começo a andar pelas estrelas.’
‘Se pudesse, apagaria as luzes da cidade só para ver a lua fugir das nuvens e iluminar o relógio de quatro lados, no alto do Paço Municipal. Ele é muito bonito para ficar escondido’
‘Nunca senti vontade de sair daqui, pois sei que o lugar mais maravilhoso que existe no mundo é sempre aquele em que vivemos histórias inesquecíveis’
(…)
O fato é que, analisando cada uma das frases do Tuffi, a gente percebe que todo filósofo assim como os escritores veem o mundo nas entrelinhas, depois das reticências, o que nos confirma que, muitas vezes, o essencial é invisível aos nossos olhos.
Ao terminar de ler todas essas citações do meu caderninho e essas pérolas do Tuffi, foi inevitável me lembrar de uma frase de outro grande pensador, Nietzsche:
“E aqueles que foram vistos dançando foram julgados loucos por aqueles que não podiam ouvir a música”
Que saudades do Tuffi!
José Luiz Ricchetti – 20/09/2021