Crônica: A XÍCARA DE CAFÉ

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cabeca-ricchetti Crônica: A XÍCARA DE CAFÉ

Depois de alguns anos de formados, todos nós, da nossa turma de engenharia começamos a nos reunir anualmente, num encontro, para rever os colegas de faculdade e jogar uma boa conversa fora.

Normalmente, nesses encontros, todos nós viramos moleques outra vez e é inevitável surgirem inúmeras piadas e lembranças dos acontecimentos marcantes daqueles tempos da faculdade.

Nesses encontros, a maioria não está preocupado com o que se tornou, com o que é, ou que cargo exerce, mas apenas em comentar as coisas boas vividas nos tempos de escola.

Num dos nossos últimos encontros, eu me lembro em particular, da queixa de um dos meus contemporâneos de faculdade. Ele me contou que no ano anterior havia viajado para a Disney em Orlando nos USA com a família e se lembrou que um dos colegas de turma morava e trabalhava numa cidade próxima, naquele mesmo estado.

Então, ele decidiu mudar um pouco o seu roteiro com a família, alugar um carro e ir ao encontro do colega. Afinal, me lembrou ele, nós havíamos passado cinco anos juntos estudando na mesma escola e ainda morando na mesma ‘república.

Em seguida, com os olhos marejados de lágrimas, ele completou:

– Sabe Zé, você nem imagina o que aconteceu. Ele me deixou profundamente chateado…. Eu nem sabia que ele tinha se tornado Vice-Presidente daquela empresa.

Cheguei na portaria, me anunciei e recebi o maior ‘chá de cadeira’ da minha vida.

Depois de muito esperar, consegui finalmente ser recebido, mas assim que me sentei na cadeira à sua frente, percebi que ele não era mais nem sombra daquele colega com quem eu havia convivido por cinco anos seguidos, 40 anos atrás. Ele mal conversou comigo…

Assim que meu amigo terminou de me contar sobre essa sua visita frustrante eu automaticamente me lembrei dos tempos em que fui executivo e presidente de duas empresas no exterior.

Quando você está num cargo de relevância, as pessoas costumam te bajular de inúmeras formas. É o cafezinho servido de hora em hora, em xícaras de porcelana, é a secretária que organiza suas reservas de avião, de carro, de hotel e mais todos os detalhes necessários à uma viagem de negócios ao exterior, sem que você precise se preocupar com nada.

São pessoas que estão lá no aeroporto para aguardá-lo após o voo, para carregar sua bagagem e deixá-lo num dos melhores hotéis da cidade, sem falar que no dia seguinte você ainda terá um motorista o aguardando na porta do hotel, para levá-lo ao escritório, sem falar da infindável lista de regalias e gentilezas.

Quando você está num cargo relevante você é o ‘cara’!

Comecei então a divagar sobre tudo isso pelo qual passei na vida profissional e a comparar com a minha situação atual, já aposentando de todas essas funções.

Hoje, se quiser viajar, tenho que eu mesmo me debruçar sobre o computador e buscar alternativas econômicas para uma pequena viagem de férias, sem nem pensar em grandes mordomias e muito menos em regalias como aquelas que vivi. Ninguém vai mais me trazer o cafezinho em xícaras de porcelana.

Se quiser tomar meu café preciso me levantar e ir até a cozinha me servir, em xícaras comuns, operando eu mesmo a máquina de café expresso.

E é absolutamente natural que seja assim, afinal ninguém é melhor do que ninguém só porque hoje ocupa um cargo importante.

Amanhã qualquer um de nós pode ser apenas um ex-Gerente, um ex-Diretor, um ex-Vice-Presidente, um ex-CEO, um ex-Deputado, um ex- Ministro, um ex- Prefeito, etc

Temos que saber que as pessoas só lhe tratam bem e com mordomias e lhe paparicam o tempo todo apenas por causa do seu cargo, da sua posição na empresa ou na sociedade, mas não por causa de você!

Quantas não foram as pessoas que conheci na minha vida profissional e que ao perderem o emprego perderam também o chão! Tudo isso porque eram pessoas que se iludiam com a importância e o poder que tinham. Elas achavam que tudo era por causa delas mesmas e não apenas pelo cargo que ocupavam. Se equilibravam na vaidade!

Recentemente ouvi um testemunho, muito parecido, de um ex-Secretário de Estado Americano, relatando as diferenças de tratamento que recebera quando, por dois anos consecutivos, havia sido convidado a dar uma palestra numa mesma Universidade Americana.

Na primeira delas ele estava como Secretário de Estado e nem é preciso dizer das inúmeras gentilezas, preocupações de segurança, o enorme ‘staff’ de pessoas designado para assessorá-lo, além de tantas outras mordomias, bem como aquele cafezinho especial servido em xícaras de porcelana, numa sala VIP.

No ano seguinte ele, já não mais Secretário de Estado, mas apenas um velho professor e escritor, enquanto aguardava entrar no salão para dar sua palestra, sentiu vontade de tomar um cafezinho e perguntou a alguém, ao lado, onde poderia obtê-lo.

A pessoa então apontou para o fundo do corredor, onde se via uma pequena mesa com uma garrafa térmica em cima, tendo ao seu lado uma pilha de pequenas xícaras de isopor.

Quando a gente faz sucesso e alcança ótimas posições, seja na empresa, num clube, na vida profissional ou na sociedade, devemos sempre nos lembrar que a xícara de porcelana onde hoje nos servem o cafezinho nunca é nossa. Ela pertence ao cargo ou posição que ocupamos naquele momento.

A xícara que é realmente nos pertence de fato é apenas aquela simples xícara de isopor, ao lado da garrafa térmica, em cima da mesinha de canto….

Em qual xícara você tomou o seu café hoje?

José Luiz Ricchetti – 25/11/2021

Crônica: A XÍCARA DE CAFÉ

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Depois de alguns anos de formados, todos nós, da nossa turma de engenharia começamos a nos reunir anualmente, num encontro, para rever os colegas de faculdade e jogar uma boa conversa fora.

Normalmente, nesses encontros, todos nós viramos moleques outra vez e é inevitável surgirem inúmeras piadas e lembranças dos acontecimentos marcantes daqueles tempos da faculdade.

Nesses encontros, a maioria não está preocupado com o que se tornou, com o que é, ou que cargo exerce, mas apenas em comentar as coisas boas vividas nos tempos de escola.

Num dos nossos últimos encontros, eu me lembro em particular, da queixa de um dos meus contemporâneos de faculdade. Ele me contou que no ano anterior havia viajado para a Disney em Orlando nos USA com a família e se lembrou que um dos colegas de turma morava e trabalhava numa cidade próxima, naquele mesmo estado.

Então, ele decidiu mudar um pouco o seu roteiro com a família, alugar um carro e ir ao encontro do colega. Afinal, me lembrou ele, nós havíamos passado cinco anos juntos estudando na mesma escola e ainda morando na mesma ‘república.

Em seguida, com os olhos marejados de lágrimas, ele completou:

– Sabe Zé, você nem imagina o que aconteceu. Ele me deixou profundamente chateado…. Eu nem sabia que ele tinha se tornado Vice-Presidente daquela empresa.

Cheguei na portaria, me anunciei e recebi o maior ‘chá de cadeira’ da minha vida.

Depois de muito esperar, consegui finalmente ser recebido, mas assim que me sentei na cadeira à sua frente, percebi que ele não era mais nem sombra daquele colega com quem eu havia convivido por cinco anos seguidos, 40 anos atrás. Ele mal conversou comigo…

Assim que meu amigo terminou de me contar sobre essa sua visita frustrante eu automaticamente me lembrei dos tempos em que fui executivo e presidente de duas empresas no exterior.

Quando você está num cargo de relevância, as pessoas costumam te bajular de inúmeras formas. É o cafezinho servido de hora em hora, em xícaras de porcelana, é a secretária que organiza suas reservas de avião, de carro, de hotel e mais todos os detalhes necessários à uma viagem de negócios ao exterior, sem que você precise se preocupar com nada.

São pessoas que estão lá no aeroporto para aguardá-lo após o voo, para carregar sua bagagem e deixá-lo num dos melhores hotéis da cidade, sem falar que no dia seguinte você ainda terá um motorista o aguardando na porta do hotel, para levá-lo ao escritório, sem falar da infindável lista de regalias e gentilezas.

Quando você está num cargo relevante você é o ‘cara’!

Comecei então a divagar sobre tudo isso pelo qual passei na vida profissional e a comparar com a minha situação atual, já aposentando de todas essas funções.

Hoje, se quiser viajar, tenho que eu mesmo me debruçar sobre o computador e buscar alternativas econômicas para uma pequena viagem de férias, sem nem pensar em grandes mordomias e muito menos em regalias como aquelas que vivi. Ninguém vai mais me trazer o cafezinho em xícaras de porcelana.

Se quiser tomar meu café preciso me levantar e ir até a cozinha me servir, em xícaras comuns, operando eu mesmo a máquina de café expresso.

E é absolutamente natural que seja assim, afinal ninguém é melhor do que ninguém só porque hoje ocupa um cargo importante.

Amanhã qualquer um de nós pode ser apenas um ex-Gerente, um ex-Diretor, um ex-Vice-Presidente, um ex-CEO, um ex-Deputado, um ex- Ministro, um ex- Prefeito, etc

Temos que saber que as pessoas só lhe tratam bem e com mordomias e lhe paparicam o tempo todo apenas por causa do seu cargo, da sua posição na empresa ou na sociedade, mas não por causa de você!

Quantas não foram as pessoas que conheci na minha vida profissional e que ao perderem o emprego perderam também o chão! Tudo isso porque eram pessoas que se iludiam com a importância e o poder que tinham. Elas achavam que tudo era por causa delas mesmas e não apenas pelo cargo que ocupavam. Se equilibravam na vaidade!

Recentemente ouvi um testemunho, muito parecido, de um ex-Secretário de Estado Americano, relatando as diferenças de tratamento que recebera quando, por dois anos consecutivos, havia sido convidado a dar uma palestra numa mesma Universidade Americana.

Na primeira delas ele estava como Secretário de Estado e nem é preciso dizer das inúmeras gentilezas, preocupações de segurança, o enorme ‘staff’ de pessoas designado para assessorá-lo, além de tantas outras mordomias, bem como aquele cafezinho especial servido em xícaras de porcelana, numa sala VIP.

No ano seguinte ele, já não mais Secretário de Estado, mas apenas um velho professor e escritor, enquanto aguardava entrar no salão para dar sua palestra, sentiu vontade de tomar um cafezinho e perguntou a alguém, ao lado, onde poderia obtê-lo.

A pessoa então apontou para o fundo do corredor, onde se via uma pequena mesa com uma garrafa térmica em cima, tendo ao seu lado uma pilha de pequenas xícaras de isopor.

Quando a gente faz sucesso e alcança ótimas posições, seja na empresa, num clube, na vida profissional ou na sociedade, devemos sempre nos lembrar que a xícara de porcelana onde hoje nos servem o cafezinho nunca é nossa. Ela pertence ao cargo ou posição que ocupamos naquele momento.

A xícara que é realmente nos pertence de fato é apenas aquela simples xícara de isopor, ao lado da garrafa térmica, em cima da mesinha de canto….

Em qual xícara você tomou o seu café hoje?

José Luiz Ricchetti – 25/11/2021

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