A dívida

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cabeca-ricchetti A dívida

Eu e minha família tínhamos acabado de chegar na casa dos meus sogros, para passar um final de semana. Eles moravam numa pequena cidade do interior paulista, uma pacata cidade, de pouco mais de 28 mil habitantes.

Mal descemos do carro e minha sogra já veio correndo, muito nervosa, nos contar que há vários dias o ‘seu velho’, assim ela o chamava carinhosamente, estava lhe infernizando a vida, dizendo que precisava de cinco mil cruzeiros para pagar uma dívida com um amigo, chamado João de Souza.

Screenshot_20210906-233241_WhatsApp-150x150 A dívida

Ela dizia que não aguentava mais aquele desespero dele pois, todos os dias, desde que levantava até a hora de dormir, era briga. Tudo porque ela não lhe dava os cinco mil cruzeiros para pagar o seu amigo João. 

Conforme ele sempre lhe explicava, o tal João havia lhe emprestado essa quantia de dinheiro e ele não gostava de dever para ninguém. Precisava pagá-lo!

– Eu até já disse a ele que esse tal amigo João de Souza, que ele menciona e de quem eu acabei me lembrando, já morreu. 

 – Também já falei para ele que não existe mais essa moeda chamada cruzeiro! 

– Até tentei explicar que depois da Proclamação da República nosso dinheiro mudou vária vezes de nome e que de ‘réis’, passou para ‘cruzeiro’ e que de cruzeiro passou para ‘cruzeiro novo’ e que agora, de uns anos para cá, se chama ‘real’! 

– Mas que nada, ele continua a dizer que precisa desses benditos cinco mil cruzeiros para pagar o tal do João!

(……)

Meu sogro havia sofrido um pequeno derrame, alguns meses antes, e depois disso a sua aterosclerose tinha se acentuado, fazendo com que alternasse momentos de lucidez com momentos fora da realidade. 

Naquele momento imaginei que ele devia estar vivendo algum fato que deveria ter ocorrido com ele e o amigo há muitos anos e que sua memória havia trazido à tona, novamente, como se fosse hoje. 

À medida que os anos passam, o que vai ficando com os nossos idosos são sempre as marcas de um tempo vivido, sentido, as vezes das vitórias e outras vezes das derrotas, de alegrias, de tristezas, de sucessos e de fracassos…. Mas todas, sempre nos trazendo ótimas lições.

Eu sempre tive a paciência como uma das virtudes e tinha também a experiência de quem sempre conviveu com uma família longeva, cujos avós e tios avós sempre viveram muito tempo. 

Então eu sabia, como ninguém, que a melhor forma de resolver uma situação como aquela era com criatividade e paciência e não com a confrontação e muito menos com o nervosismo. 

Quando descarreguei as malas do carro e entrei na casa eu o encontrei sentado na sua velha cadeira de balanço. Assim que deixei as malas no quarto, voltei para cumprimentá-lo, mas já esperando que ele iria tocar naquele assunto. 

Sem demorar um segundo, travamos o seguinte diálogo:

– Tudo bem com o senhor?

– Ele (muito ansioso), me respondeu:

– Bem nada meu filho! Bem nada!

– O que aconteceu? 

– Filho, eu tenho uma dívida com meu amigo João de Souza! 

– Dívida? Que dívida?

– Uma dívida de cinco mil cruzeiros que eu preciso pagar, mas a minha mulher não deixa! Ela não me dá esse dinheiro! 

– Você pode imaginar o que é isso? 

– Eu, um homem honesto, que nunca gostou de dever a ninguém, ter que passar por tudo isso? E pensar que a minha própria mulher não consegue entender!

– Calma! Eu lhe respondi. 

– Vamos resolver isso já. Fique tranquilo.

Então eu calmamente abri minha carteira e peguei uma nota de cinco reais e dei a ele.

Ele abriu um sorriso enorme, pegou aquela nota e, olhando para os lados, como se fosse uma criança fazendo alguma coisa errada, rapidamente a guardou no bolso da sua camisa. 

Passamos um ótimo e divertido final de semana, em absoluta calma, sem que meu sogro sequer tocasse no assunto. 

Eu até tinha comentado com o restante da família, sobre a solução que tinha dado ao problema e apesar de alguns não concordarem totalmente com a minha solução, preferiram, no final, olhar pelo lado bom e ver que de qualquer forma o problema da dívida tinha sido resolvido, ele tinha se acalmado e a tranquilidade havia retornado ao seio da família.

No final da tarde do domingo, quando já estávamos arrumando as coisas, para voltar a São Paulo, meu sogro se aproximou de mim e furtivamente abriu minha mão, depositou sobre ela aquela mesma nota de cinco reais que eu o havia ‘emprestado’, dando me, em seguida, uma piscadela de olhos e três tapinhas no meu ombro….

Então com aquela cara de satisfação e com um pequeno sorriso no canto dos lábios, ele se aproximou do meu ouvido e cochichou:

– Obrigado filho, por ter me emprestado o dinheiro para pagar o João! 

– Se não fosse por você, eu não teria conseguido honrar a minha dívida!

– Só lhe devolvi agora porque, hoje é que arrumei o dinheiro.

– Muito obrigado!

– De nada! Quando o senhor precisar de novo é só me falar. Respondi…

Carreguei o carro e parti de volta a capital. 

Durante a viagem não consegui tirar dos meus pensamentos aquele pequeno e pitoresco acontecimento do final de semana.

Percebi o quanto, um simples fato como aquele tinha me trazido tantos ensinamentos: 

• A honestidade e a integridade não se perdem com o tempo.

• Não importa a idade, as pessoas sempre tem algo para nos ensinar.

• Um idoso pode até se esquecer do nome de certas coisas, mas nunca como essas coisas devem ser feitas.

• Se tratamos um idoso com amor e respeito, conheceremos o que é a verdadeira gratidão. 

José Luiz Ricchetti – 08/07/2021

https://www.facebook.com/Ricchetti.Escritor

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Eu e minha família tínhamos acabado de chegar na casa dos meus sogros, para passar um final de semana. Eles moravam numa pequena cidade do interior paulista, uma pacata cidade, de pouco mais de 28 mil habitantes.

Mal descemos do carro e minha sogra já veio correndo, muito nervosa, nos contar que há vários dias o ‘seu velho’, assim ela o chamava carinhosamente, estava lhe infernizando a vida, dizendo que precisava de cinco mil cruzeiros para pagar uma dívida com um amigo, chamado João de Souza.

Screenshot_20210906-233241_WhatsApp-150x150 A dívida

Ela dizia que não aguentava mais aquele desespero dele pois, todos os dias, desde que levantava até a hora de dormir, era briga. Tudo porque ela não lhe dava os cinco mil cruzeiros para pagar o seu amigo João. 

Conforme ele sempre lhe explicava, o tal João havia lhe emprestado essa quantia de dinheiro e ele não gostava de dever para ninguém. Precisava pagá-lo!

– Eu até já disse a ele que esse tal amigo João de Souza, que ele menciona e de quem eu acabei me lembrando, já morreu. 

 – Também já falei para ele que não existe mais essa moeda chamada cruzeiro! 

– Até tentei explicar que depois da Proclamação da República nosso dinheiro mudou vária vezes de nome e que de ‘réis’, passou para ‘cruzeiro’ e que de cruzeiro passou para ‘cruzeiro novo’ e que agora, de uns anos para cá, se chama ‘real’! 

– Mas que nada, ele continua a dizer que precisa desses benditos cinco mil cruzeiros para pagar o tal do João!

(……)

Meu sogro havia sofrido um pequeno derrame, alguns meses antes, e depois disso a sua aterosclerose tinha se acentuado, fazendo com que alternasse momentos de lucidez com momentos fora da realidade. 

Naquele momento imaginei que ele devia estar vivendo algum fato que deveria ter ocorrido com ele e o amigo há muitos anos e que sua memória havia trazido à tona, novamente, como se fosse hoje. 

À medida que os anos passam, o que vai ficando com os nossos idosos são sempre as marcas de um tempo vivido, sentido, as vezes das vitórias e outras vezes das derrotas, de alegrias, de tristezas, de sucessos e de fracassos…. Mas todas, sempre nos trazendo ótimas lições.

Eu sempre tive a paciência como uma das virtudes e tinha também a experiência de quem sempre conviveu com uma família longeva, cujos avós e tios avós sempre viveram muito tempo. 

Então eu sabia, como ninguém, que a melhor forma de resolver uma situação como aquela era com criatividade e paciência e não com a confrontação e muito menos com o nervosismo. 

Quando descarreguei as malas do carro e entrei na casa eu o encontrei sentado na sua velha cadeira de balanço. Assim que deixei as malas no quarto, voltei para cumprimentá-lo, mas já esperando que ele iria tocar naquele assunto. 

Sem demorar um segundo, travamos o seguinte diálogo:

– Tudo bem com o senhor?

– Ele (muito ansioso), me respondeu:

– Bem nada meu filho! Bem nada!

– O que aconteceu? 

– Filho, eu tenho uma dívida com meu amigo João de Souza! 

– Dívida? Que dívida?

– Uma dívida de cinco mil cruzeiros que eu preciso pagar, mas a minha mulher não deixa! Ela não me dá esse dinheiro! 

– Você pode imaginar o que é isso? 

– Eu, um homem honesto, que nunca gostou de dever a ninguém, ter que passar por tudo isso? E pensar que a minha própria mulher não consegue entender!

– Calma! Eu lhe respondi. 

– Vamos resolver isso já. Fique tranquilo.

Então eu calmamente abri minha carteira e peguei uma nota de cinco reais e dei a ele.

Ele abriu um sorriso enorme, pegou aquela nota e, olhando para os lados, como se fosse uma criança fazendo alguma coisa errada, rapidamente a guardou no bolso da sua camisa. 

Passamos um ótimo e divertido final de semana, em absoluta calma, sem que meu sogro sequer tocasse no assunto. 

Eu até tinha comentado com o restante da família, sobre a solução que tinha dado ao problema e apesar de alguns não concordarem totalmente com a minha solução, preferiram, no final, olhar pelo lado bom e ver que de qualquer forma o problema da dívida tinha sido resolvido, ele tinha se acalmado e a tranquilidade havia retornado ao seio da família.

No final da tarde do domingo, quando já estávamos arrumando as coisas, para voltar a São Paulo, meu sogro se aproximou de mim e furtivamente abriu minha mão, depositou sobre ela aquela mesma nota de cinco reais que eu o havia ‘emprestado’, dando me, em seguida, uma piscadela de olhos e três tapinhas no meu ombro….

Então com aquela cara de satisfação e com um pequeno sorriso no canto dos lábios, ele se aproximou do meu ouvido e cochichou:

– Obrigado filho, por ter me emprestado o dinheiro para pagar o João! 

– Se não fosse por você, eu não teria conseguido honrar a minha dívida!

– Só lhe devolvi agora porque, hoje é que arrumei o dinheiro.

– Muito obrigado!

– De nada! Quando o senhor precisar de novo é só me falar. Respondi…

Carreguei o carro e parti de volta a capital. 

Durante a viagem não consegui tirar dos meus pensamentos aquele pequeno e pitoresco acontecimento do final de semana.

Percebi o quanto, um simples fato como aquele tinha me trazido tantos ensinamentos: 

• A honestidade e a integridade não se perdem com o tempo.

• Não importa a idade, as pessoas sempre tem algo para nos ensinar.

• Um idoso pode até se esquecer do nome de certas coisas, mas nunca como essas coisas devem ser feitas.

• Se tratamos um idoso com amor e respeito, conheceremos o que é a verdadeira gratidão. 

José Luiz Ricchetti – 08/07/2021

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