As peladas – Por José Luiz Ricchetti

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Happy boys with soccer ball

Eram duas horas da tarde e desta vez estávamos todos nós, os meninos, ali na rua 4 de junho, bem ao lado do velho rio paraíso, perto da ponte, em frente à casa dos Massarelli, ou ‘Castelinho’ como a chamávamos.

Ali era um dos campinhos onde estávamos acostumados a jogar. Essas peladas também ocorriam nas próprias ruas da cidade, nos fundos da casa do avô de um amigo meu, o Paulo Augusto, cujo quintal também dava para o mesmo rio paraíso ou então em algum outro quintal que pudesse ser transformado em uma quadra improvisada, onde o gol podia ter suas traves feitas com pedras ou então com cabos de vassoura ou pedaços de bambu.

O importante era ter um lugar, um espaço de terra ou terreno, mesmo que improvisado, onde a pelada pudesse ser jogada. Era nesse local combinado previamente que se concentrava toda a molecada do bairro e da vizinhança.

Éramos todos garotos na faixa dos 9 a 10 anos de idade, nascidos ali naquela cidade do interior de São Paulo, a pequena São Manuel do Paraíso, cujo nome homenageava o santo, mas também o pequeno riacho que cortava a cidade.

Alguns vinham de família humilde, outros de famílias de classe média, mas não importava, a pelada era democrática, longe dos preconceitos que hoje permeiam, a maioria das relações, neste nosso mundo globalizado.

As relações de amizade, entre nós garotos de cidades do interior, sempre teve muito disso, a gente se relacionava muito bem, independente de classe, de situação econômica, de cor, raça ou faixa de idade.

É lógico que as afinidades, faziam com que existissem as chamadas ‘turminhas’ e uma certa rivalidade entre elas, mas nada que impedisse a verdadeira amizade.

Éramos todos boleiros e estávamos ali para jogar o futebol nosso de cada dia. Pronto! Isso só, já se bastava.

A maioria de nós tinha tido o primeiro contato ainda no pré-primário da Prof. Sirte Braga ou então no 1º ano da Dona Isaura Lima, embora alguns garotos fossem um pouco mais velhos ou um pouco mais novos e essas professoras podem ter sido outras.

Alguns outros nem estudavam, por necessidade de trabalhar e ajudar a família e assim não frequentavam a escola, mas nada disso era impeditivo para ingressar no mundo das peladas.

As vezes penso, que essas amizades talvez tenham começado bem mais cedo, quem sabe quando, ainda crianças de colo, já pulávamos a tradicional banda em volta do coreto, aos domingos, segurados nos braços ou puxados pelas mãos dos nossos pais, tios ou avós.

Enfim, estávamos todos lá para a pelada do dia, com aquele sol forte, que castigava os nossos cocorutos mas, nada que nos pudesse impedir de correr atrás da bola.

Normalmente já tínhamos ido à escola pela manhã, almoçado, rapidamente, para não perder tempo e chegar cedo no campinho de terra, para ‘pegar lugar’ e jogar a primeira pelada.

Como sempre os dois melhores de bola, tiravam o ‘par ou ímpar’ para começar a escolher os times. Eu sempre procurava jogar no time do meu amigo Cícero Braga, que tinha a magia do drible nos seus pés.

O time adversário vez ou outra era de um tal de ‘Pelé’, menino pobre cujo apelido já falava como era a qualidade do seu futebol. Confesso que nunca soube o seu nome verdadeiro e só sabia que ele morava na Vila Santa Helena.

O fato é que éramos apenas crianças jogando bola e se divertindo, sem qualquer outra preocupação de quem era quem.

Os capitães de cada time, após o par ou ímpar já iam chamando alternadamente os outros meninos por ordem de habilidade com a bola, assim os melhores eram logo escolhidos para jogar na linha e os menos habilidosos sobravam para a defesa.

Tudo isso era feito, sem deixar é claro de garantir um lugar de honra para o dono da bola, até porque era fundamental para que a pelada continuasse até o final do dia.

Ninguém queria ser escolhido por último, porque aí todo mundo já sabia que aquele era o ‘ mais grosso’ da turma.

O primeiro a escolher era o time que iria jogar de camisa, mas o maior drama, era mesmo encontrar quem ia ‘pegar no gol’, pois goleiro ninguém queria ser.

Quando não encontrávamos o goleiro se partia então para uma escalação obrigatória, onde o pior do time começava no gol e à medida que saia um gol ele era substituído, numa espécie de revezamento.

As regras e detalhes das peladas eram bem conhecidas por todos:

Se havia um pênalti, podíamos substituir o goleiro ruim por aquele que ‘catava’ melhor. Os piores sempre jogavam na defesa e quem não passava bola era chamado de ‘fominha’. O dono da bola jogava no time do melhor jogador e nunca havia juiz.

As faltas, laterais ou escanteios eram marcadas no grito mesmo, sendo que para ‘ganhar no grito’ como dizíamos quem sofresse a falta tinha que ser também bom ator e normalmente já saia berrando como se o outro tivesse lhe quebrado a perna.

Quando a bola saia do campo, o mais esperto já dizia rapidamente ‘é nossa’ e já pegava a bola e dava espertamente o lateral. Quem chutava a bola pra longe tinha que ir buscar e as partidas normalmente eram do tipo cinco vira, dez acaba.

A pelada só terminava quando ficava bem escuro, quase noite ou então quando a mãe do dono da bola gritava chamando ele pra jantar. Os lances polêmicos eram resolvidos no grito, com muita discussão ou então, asvezes, no tapa mesmo.

Após as peladas, aparecermos em casa com a canela esfolada, uma topada no dedão era o menor dos problemas e nada que um bom banho e um mercúrio cromo por cima não resolvesse rapidamente.

As peladas foram tempos maravilhoso da minha infância, cheios de alegrias e desprendimento, tempos de total despreocupação, mas o mais importante foram as lições que aprendi e que ficaram guardadas para sempre na minha memória.

Foram com as peladas que aprendi:

Que não interessa quem é o amigo, mas apenas se joga com você e toca a bola pensando no time.

Que não adianta nada ser o melhor jogador se não dividir a bola com os demais.

Que só depende da gente como vai ser o final do jogo e se vamos conseguir transformar companheiros em amigos.

Que perder uma partida não significa ser um derrotado, mas apenas que é na derrota que aprendemos a virar o jogo.

Que toda vez que nos derrubam é preciso levantar, sacudir a poeira e seguir no jogo.

Que quando se perde, temos que transformar os erros em lições, mudando a tática para enfrentar a próxima partida, mas sempre pensando na vitória.

Que um lance pode definir a sua trajetória e também qual será o seu prêmio final.

Mas o mais importante que aprendi, é que todos os dias temos de driblar as dificuldades, limpar as poeiras dos tombos, enxugar as lágrimas das derrotas, chutar as tristezas pra longe e partir pra cima do adversário em busca do gol da felicidade!

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Happy boys with soccer ball

Eram duas horas da tarde e desta vez estávamos todos nós, os meninos, ali na rua 4 de junho, bem ao lado do velho rio paraíso, perto da ponte, em frente à casa dos Massarelli, ou ‘Castelinho’ como a chamávamos.

Ali era um dos campinhos onde estávamos acostumados a jogar. Essas peladas também ocorriam nas próprias ruas da cidade, nos fundos da casa do avô de um amigo meu, o Paulo Augusto, cujo quintal também dava para o mesmo rio paraíso ou então em algum outro quintal que pudesse ser transformado em uma quadra improvisada, onde o gol podia ter suas traves feitas com pedras ou então com cabos de vassoura ou pedaços de bambu.

O importante era ter um lugar, um espaço de terra ou terreno, mesmo que improvisado, onde a pelada pudesse ser jogada. Era nesse local combinado previamente que se concentrava toda a molecada do bairro e da vizinhança.

Éramos todos garotos na faixa dos 9 a 10 anos de idade, nascidos ali naquela cidade do interior de São Paulo, a pequena São Manuel do Paraíso, cujo nome homenageava o santo, mas também o pequeno riacho que cortava a cidade.

Alguns vinham de família humilde, outros de famílias de classe média, mas não importava, a pelada era democrática, longe dos preconceitos que hoje permeiam, a maioria das relações, neste nosso mundo globalizado.

As relações de amizade, entre nós garotos de cidades do interior, sempre teve muito disso, a gente se relacionava muito bem, independente de classe, de situação econômica, de cor, raça ou faixa de idade.

É lógico que as afinidades, faziam com que existissem as chamadas ‘turminhas’ e uma certa rivalidade entre elas, mas nada que impedisse a verdadeira amizade.

Éramos todos boleiros e estávamos ali para jogar o futebol nosso de cada dia. Pronto! Isso só, já se bastava.

A maioria de nós tinha tido o primeiro contato ainda no pré-primário da Prof. Sirte Braga ou então no 1º ano da Dona Isaura Lima, embora alguns garotos fossem um pouco mais velhos ou um pouco mais novos e essas professoras podem ter sido outras.

Alguns outros nem estudavam, por necessidade de trabalhar e ajudar a família e assim não frequentavam a escola, mas nada disso era impeditivo para ingressar no mundo das peladas.

As vezes penso, que essas amizades talvez tenham começado bem mais cedo, quem sabe quando, ainda crianças de colo, já pulávamos a tradicional banda em volta do coreto, aos domingos, segurados nos braços ou puxados pelas mãos dos nossos pais, tios ou avós.

Enfim, estávamos todos lá para a pelada do dia, com aquele sol forte, que castigava os nossos cocorutos mas, nada que nos pudesse impedir de correr atrás da bola.

Normalmente já tínhamos ido à escola pela manhã, almoçado, rapidamente, para não perder tempo e chegar cedo no campinho de terra, para ‘pegar lugar’ e jogar a primeira pelada.

Como sempre os dois melhores de bola, tiravam o ‘par ou ímpar’ para começar a escolher os times. Eu sempre procurava jogar no time do meu amigo Cícero Braga, que tinha a magia do drible nos seus pés.

O time adversário vez ou outra era de um tal de ‘Pelé’, menino pobre cujo apelido já falava como era a qualidade do seu futebol. Confesso que nunca soube o seu nome verdadeiro e só sabia que ele morava na Vila Santa Helena.

O fato é que éramos apenas crianças jogando bola e se divertindo, sem qualquer outra preocupação de quem era quem.

Os capitães de cada time, após o par ou ímpar já iam chamando alternadamente os outros meninos por ordem de habilidade com a bola, assim os melhores eram logo escolhidos para jogar na linha e os menos habilidosos sobravam para a defesa.

Tudo isso era feito, sem deixar é claro de garantir um lugar de honra para o dono da bola, até porque era fundamental para que a pelada continuasse até o final do dia.

Ninguém queria ser escolhido por último, porque aí todo mundo já sabia que aquele era o ‘ mais grosso’ da turma.

O primeiro a escolher era o time que iria jogar de camisa, mas o maior drama, era mesmo encontrar quem ia ‘pegar no gol’, pois goleiro ninguém queria ser.

Quando não encontrávamos o goleiro se partia então para uma escalação obrigatória, onde o pior do time começava no gol e à medida que saia um gol ele era substituído, numa espécie de revezamento.

As regras e detalhes das peladas eram bem conhecidas por todos:

Se havia um pênalti, podíamos substituir o goleiro ruim por aquele que ‘catava’ melhor. Os piores sempre jogavam na defesa e quem não passava bola era chamado de ‘fominha’. O dono da bola jogava no time do melhor jogador e nunca havia juiz.

As faltas, laterais ou escanteios eram marcadas no grito mesmo, sendo que para ‘ganhar no grito’ como dizíamos quem sofresse a falta tinha que ser também bom ator e normalmente já saia berrando como se o outro tivesse lhe quebrado a perna.

Quando a bola saia do campo, o mais esperto já dizia rapidamente ‘é nossa’ e já pegava a bola e dava espertamente o lateral. Quem chutava a bola pra longe tinha que ir buscar e as partidas normalmente eram do tipo cinco vira, dez acaba.

A pelada só terminava quando ficava bem escuro, quase noite ou então quando a mãe do dono da bola gritava chamando ele pra jantar. Os lances polêmicos eram resolvidos no grito, com muita discussão ou então, asvezes, no tapa mesmo.

Após as peladas, aparecermos em casa com a canela esfolada, uma topada no dedão era o menor dos problemas e nada que um bom banho e um mercúrio cromo por cima não resolvesse rapidamente.

As peladas foram tempos maravilhoso da minha infância, cheios de alegrias e desprendimento, tempos de total despreocupação, mas o mais importante foram as lições que aprendi e que ficaram guardadas para sempre na minha memória.

Foram com as peladas que aprendi:

Que não interessa quem é o amigo, mas apenas se joga com você e toca a bola pensando no time.

Que não adianta nada ser o melhor jogador se não dividir a bola com os demais.

Que só depende da gente como vai ser o final do jogo e se vamos conseguir transformar companheiros em amigos.

Que perder uma partida não significa ser um derrotado, mas apenas que é na derrota que aprendemos a virar o jogo.

Que toda vez que nos derrubam é preciso levantar, sacudir a poeira e seguir no jogo.

Que quando se perde, temos que transformar os erros em lições, mudando a tática para enfrentar a próxima partida, mas sempre pensando na vitória.

Que um lance pode definir a sua trajetória e também qual será o seu prêmio final.

Mas o mais importante que aprendi, é que todos os dias temos de driblar as dificuldades, limpar as poeiras dos tombos, enxugar as lágrimas das derrotas, chutar as tristezas pra longe e partir pra cima do adversário em busca do gol da felicidade!

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