As Damas do Quilo, por José Luiz Ricchetti

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9.1-Damas-do-quilo As Damas do Quilo, por José Luiz Ricchetti

Amanheceu o dia com um calor intenso e a temperatura bastante alta. A primeira semana da primavera já veio com tudo, um calor sufocante e sol abrasador.

Esse dia de calor, me remeteu a uma lembrança, quando minha mãe e suas amigas, lá pelos idos de 1960 na minha pequena cidade natal, São Manuel, saiam pelas ruas, buscando donativos para os velhinhos do Abrigo dos Desamparados.

Eram as chamadas “Damas do Quilo” como carinhosamente, a população da cidade, denominava esse grupo de dedicadas mulheres.

Ligo o ar condicionado, me sento no sofá, pego meu celular e aciono o software de músicas ‘Spotify’ direcionando para o grupo Roupa Nova, coloco no modo aleatório e começa a tocar “Anjo”.

Parece até que o software identificou minhas lembranças e quer fazer uma pequena homenagem a essas mulheres, verdadeiros anjos, para os velhinhos do abrigo:

 “Se uma coisa louca sai do seu olhar

Fique em silêncio, deixe o amor entrar

Para que tanta pressa de chegar?

Se eu sei o jeito e o lugar…”

A música, parece que continua a homenageá-las, porque elas “deixavam o amor entrar” e sabiam exatamente qual “o jeito e o lugar” para obterem os donativos da população.

Me recordo, que eram, em tardes quentes, como esta, em pleno verão, que caminhavam exaustivamente, pelas ruas da nossa cidade, para arrecadar, um quilo de alimento, rua por rua, casa por casa.

Apesar das dificuldades, nada impedia que, protegidas apenas com uma pequena sombrinha e puxando um velho carrinho de feira elas prosseguissem com determinação pelas ruas da cidade, batendo nas portas, em busca das doações de um quilo de alimento: – “Um quilo para o abrigo por favor”, elas diziam….

Sempre admirei esse trabalho que minha mãe e suas amigas faziam, toda semana, em prol dos velhinhos do abrigo de idosos, sem compromisso, sem apoio, sem mais nada.

Não sei se ainda hoje existe algum tipo de trabalho assim, na cidade, e provavelmente, os mais novos, talvez, nem saibam que já existiu iniciativas como essa de verdadeira doação ao próximo, sem qualquer interesse pessoal.

Hoje, infelizmente, o que mais se vê são grupos que se reúnem somente com a preocupação da disputa política, do fazer por fazer. O trabalho dessas senhoras, era uma daquelas coisas boas que nos dava orgulho, era um grande exemplo de cidadania, de iniciativa independente.

A música do Roupa Nova termina e dou uma olhadinha num site de notícias….

Leio uma das manchetes, onde uma famosa cantora de funk, vem se desculpar e desafiar outras cantoras também ricas e famosas, que se acham todas, donas da verdade, sobre declarações que ela teria dado sobre o Presidente da República. Se percebe logo que o principal objetivo ali é o de aparecer na mídia, mais uma cena de marketing, dessas comuns hoje em dia, com as representantes máximas de artistas ruins, que vivem, sabem lá Deus como, com absoluta falta de talento.

Se algum desavisado ou ignorante lesse o artigo, poderia pensar que essas cantoras que, invariavelmente vivem hoje dando ‘pitacos’ sobre diversidade de gênero, ‘bullying’, assédios, só porque está na moda, sejam grandes exemplos pessoais, de ações, sem interesse, de caridade e dedicação ao próximo.

Penso que talvez fosse melhor elas deixarem de compor, cantar e alardear opiniões falsas sobre assuntos da moda, para fazerem, isso sim, ações reais que pudessem dar aos jovens e crianças desse nosso país, exemplos, como esse das Damas do Quilo.

Por isso que é bom destacar aqui o trabalho feito por mulheres de verdade, da nossa querida cidade. Mulheres que estavam ali, munidas somente da vontade de servir o próximo e principalmente àqueles velhinhos e velhinhas, que por inúmeras razões, estavam lá, abandonados e deixados à própria sorte, sem receber uma visita, que fosse, de um amigo ou parente.

Hoje, também me questiono como, uma cidade, que à época tinha em torno de 30 mil habitantes, e que nesses anos 60 tinha um comércio próspero, não tenha criado um sistema de ajuda sistemática àquela entidade, vinda dos comerciantes locais, ou de grande parte das suas abastadas famílias, de todas as vertentes, que deviam e muito àquela terra, a fortuna e riqueza que tinham amealhado.

Como um Asilo de idosos, podia depender em sua grande parte do esforço semanal de algumas poucas e simples senhoras, donas de casa, voluntárias, para poder ter o arroz com feijão e receber um pouco de atenção e assim melhorar a sua autoestima e dignidade?

Mas assim era…..e infelizmente, acho eu, assim continua……

Presenciei, admirado, durante anos, em toda a minha infância e juventude, esse maravilhoso trabalho em prol dos velhinhos, trabalho que não se resumia, unicamente, em recolher com grande esforço, os alimentos doados, de casa em casa, mas também de levar as doações e permanecer lá no asilo, nessas tardes, conversando e dando um pouco de carinho e atenção àqueles idosos sem lar. Faziam sim uma caridade material, mas também social e moral.

Engraçado, que agora me preparando para terminar esta crônica, me lembrei também, que aos domingos, eu via famílias inteiras, irem à missa, na capela do mesmo abrigo de idosos, rezarem pelos seus familiares, sem nem sequer olhar de lado ou gastar alguns minutos visitando ou doando um pouco do seu tempo ou da parte material que fosse, para aqueles velhinhos.

Essas famílias simplesmente iam lá, em seus belos carros, assistiam à missa, rezavam e pediam bênçãos para seus filhos, entravam de volta nos confortáveis automóveis e se iam, sem olhar para trás. Essa lembrança de omissão me fez recordar de uma frase da Madre Tereza de Calcutá:

“Mãos que servem são mais santas que lábios que rezam”

Não consegui me lembrar de todas essas mulheres que faziam esse lindo trabalho, me recordo somente de algumas, grandes amigas de minha mãe, porque estavam sempre presentes em minha casa. A minha vontade era relembrar de todas, uma por uma e publicar aqui a relação completa, com o nome e sobrenome de cada uma, para homenageá-las.

Mas, para não ser injusto, nominando algumas em detrimento de outras, preferi então terminar esta crônica, de singela homenagem, de tributo ao trabalho de todas essas dedicadas mulheres, sem nominá-las.

O ‘Spotify’ continua tocando o seu rol de músicas e começa o Legião Urbana….

Começo a ouvir a música e ao mesmo tempo alguém sussurrando, no meu ouvido…parece a voz da minha mãe, vindo lá de um cantinho do céu…. Ela me diz:

 – Essa música é o lema das Damas do Quilo:

“É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã……..”

ricchetti2-934x1024 As Damas do Quilo, por José Luiz Ricchetti

SOBRE O AUTOR:
José Luiz Ricchetti, nascido em São Manuel, é oriundo de famílias das mais tradicionais da cidade como Ricchetti, Ricci e Silva, é casado e tem 3 filhos. Engenheiro Mecânico pela Escola de Engenharia Industrial – EEI, com pós-graduação na FGV em Administração de Empresas e Comércio Exterior, tem MBA na área de Gestão de TI e Telecom pelo INATEL-UCAM, tendo atuado por mais de 35 anos, como executivo de grandes empresas brasileiras e multinacionais no Brasil e no Exterior.

As Damas do Quilo, por José Luiz Ricchetti

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9.1-Damas-do-quilo As Damas do Quilo, por José Luiz Ricchetti

Amanheceu o dia com um calor intenso e a temperatura bastante alta. A primeira semana da primavera já veio com tudo, um calor sufocante e sol abrasador.

Esse dia de calor, me remeteu a uma lembrança, quando minha mãe e suas amigas, lá pelos idos de 1960 na minha pequena cidade natal, São Manuel, saiam pelas ruas, buscando donativos para os velhinhos do Abrigo dos Desamparados.

Eram as chamadas “Damas do Quilo” como carinhosamente, a população da cidade, denominava esse grupo de dedicadas mulheres.

Ligo o ar condicionado, me sento no sofá, pego meu celular e aciono o software de músicas ‘Spotify’ direcionando para o grupo Roupa Nova, coloco no modo aleatório e começa a tocar “Anjo”.

Parece até que o software identificou minhas lembranças e quer fazer uma pequena homenagem a essas mulheres, verdadeiros anjos, para os velhinhos do abrigo:

 “Se uma coisa louca sai do seu olhar

Fique em silêncio, deixe o amor entrar

Para que tanta pressa de chegar?

Se eu sei o jeito e o lugar…”

A música, parece que continua a homenageá-las, porque elas “deixavam o amor entrar” e sabiam exatamente qual “o jeito e o lugar” para obterem os donativos da população.

Me recordo, que eram, em tardes quentes, como esta, em pleno verão, que caminhavam exaustivamente, pelas ruas da nossa cidade, para arrecadar, um quilo de alimento, rua por rua, casa por casa.

Apesar das dificuldades, nada impedia que, protegidas apenas com uma pequena sombrinha e puxando um velho carrinho de feira elas prosseguissem com determinação pelas ruas da cidade, batendo nas portas, em busca das doações de um quilo de alimento: – “Um quilo para o abrigo por favor”, elas diziam….

Sempre admirei esse trabalho que minha mãe e suas amigas faziam, toda semana, em prol dos velhinhos do abrigo de idosos, sem compromisso, sem apoio, sem mais nada.

Não sei se ainda hoje existe algum tipo de trabalho assim, na cidade, e provavelmente, os mais novos, talvez, nem saibam que já existiu iniciativas como essa de verdadeira doação ao próximo, sem qualquer interesse pessoal.

Hoje, infelizmente, o que mais se vê são grupos que se reúnem somente com a preocupação da disputa política, do fazer por fazer. O trabalho dessas senhoras, era uma daquelas coisas boas que nos dava orgulho, era um grande exemplo de cidadania, de iniciativa independente.

A música do Roupa Nova termina e dou uma olhadinha num site de notícias….

Leio uma das manchetes, onde uma famosa cantora de funk, vem se desculpar e desafiar outras cantoras também ricas e famosas, que se acham todas, donas da verdade, sobre declarações que ela teria dado sobre o Presidente da República. Se percebe logo que o principal objetivo ali é o de aparecer na mídia, mais uma cena de marketing, dessas comuns hoje em dia, com as representantes máximas de artistas ruins, que vivem, sabem lá Deus como, com absoluta falta de talento.

Se algum desavisado ou ignorante lesse o artigo, poderia pensar que essas cantoras que, invariavelmente vivem hoje dando ‘pitacos’ sobre diversidade de gênero, ‘bullying’, assédios, só porque está na moda, sejam grandes exemplos pessoais, de ações, sem interesse, de caridade e dedicação ao próximo.

Penso que talvez fosse melhor elas deixarem de compor, cantar e alardear opiniões falsas sobre assuntos da moda, para fazerem, isso sim, ações reais que pudessem dar aos jovens e crianças desse nosso país, exemplos, como esse das Damas do Quilo.

Por isso que é bom destacar aqui o trabalho feito por mulheres de verdade, da nossa querida cidade. Mulheres que estavam ali, munidas somente da vontade de servir o próximo e principalmente àqueles velhinhos e velhinhas, que por inúmeras razões, estavam lá, abandonados e deixados à própria sorte, sem receber uma visita, que fosse, de um amigo ou parente.

Hoje, também me questiono como, uma cidade, que à época tinha em torno de 30 mil habitantes, e que nesses anos 60 tinha um comércio próspero, não tenha criado um sistema de ajuda sistemática àquela entidade, vinda dos comerciantes locais, ou de grande parte das suas abastadas famílias, de todas as vertentes, que deviam e muito àquela terra, a fortuna e riqueza que tinham amealhado.

Como um Asilo de idosos, podia depender em sua grande parte do esforço semanal de algumas poucas e simples senhoras, donas de casa, voluntárias, para poder ter o arroz com feijão e receber um pouco de atenção e assim melhorar a sua autoestima e dignidade?

Mas assim era…..e infelizmente, acho eu, assim continua……

Presenciei, admirado, durante anos, em toda a minha infância e juventude, esse maravilhoso trabalho em prol dos velhinhos, trabalho que não se resumia, unicamente, em recolher com grande esforço, os alimentos doados, de casa em casa, mas também de levar as doações e permanecer lá no asilo, nessas tardes, conversando e dando um pouco de carinho e atenção àqueles idosos sem lar. Faziam sim uma caridade material, mas também social e moral.

Engraçado, que agora me preparando para terminar esta crônica, me lembrei também, que aos domingos, eu via famílias inteiras, irem à missa, na capela do mesmo abrigo de idosos, rezarem pelos seus familiares, sem nem sequer olhar de lado ou gastar alguns minutos visitando ou doando um pouco do seu tempo ou da parte material que fosse, para aqueles velhinhos.

Essas famílias simplesmente iam lá, em seus belos carros, assistiam à missa, rezavam e pediam bênçãos para seus filhos, entravam de volta nos confortáveis automóveis e se iam, sem olhar para trás. Essa lembrança de omissão me fez recordar de uma frase da Madre Tereza de Calcutá:

“Mãos que servem são mais santas que lábios que rezam”

Não consegui me lembrar de todas essas mulheres que faziam esse lindo trabalho, me recordo somente de algumas, grandes amigas de minha mãe, porque estavam sempre presentes em minha casa. A minha vontade era relembrar de todas, uma por uma e publicar aqui a relação completa, com o nome e sobrenome de cada uma, para homenageá-las.

Mas, para não ser injusto, nominando algumas em detrimento de outras, preferi então terminar esta crônica, de singela homenagem, de tributo ao trabalho de todas essas dedicadas mulheres, sem nominá-las.

O ‘Spotify’ continua tocando o seu rol de músicas e começa o Legião Urbana….

Começo a ouvir a música e ao mesmo tempo alguém sussurrando, no meu ouvido…parece a voz da minha mãe, vindo lá de um cantinho do céu…. Ela me diz:

 – Essa música é o lema das Damas do Quilo:

“É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã……..”

ricchetti2-934x1024 As Damas do Quilo, por José Luiz Ricchetti

SOBRE O AUTOR:
José Luiz Ricchetti, nascido em São Manuel, é oriundo de famílias das mais tradicionais da cidade como Ricchetti, Ricci e Silva, é casado e tem 3 filhos. Engenheiro Mecânico pela Escola de Engenharia Industrial – EEI, com pós-graduação na FGV em Administração de Empresas e Comércio Exterior, tem MBA na área de Gestão de TI e Telecom pelo INATEL-UCAM, tendo atuado por mais de 35 anos, como executivo de grandes empresas brasileiras e multinacionais no Brasil e no Exterior.

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